sexta-feira, 2 de maio de 2014

Semestre 2014.2

Mudei de hipótese: quando eu era perguntado pela imprensa, principalmente, sobre a questão da violência na cidade, eu respondia, enfatizando o problema das armas, dizendo que a oferta de oportunidades de usar armas em contextos de conflito produz uma letalidade que não seria necessária em muitos casos. Agora estou me dando conta que por trás dessa ideia, há outra mais fundamental: o problema do convívio humano. Estou, portanto, retomando o campo de questões de parentesco, relações vicinais, produção de amizade e inimizade, grupos de fofocas, política de reputação, falta de consideração, demanda por respeito, simpatias e antipatias nas relações interpessoais, sentimentos de raiva de si e medo do outro, enfim, estou voltando para a década de 1950, a minha década preferida. Beat que soul. Beat Generation. Semestre que vem vou ministrar Introdução à Sociologia para o curso de Psicologia, pois então vou retomar a base da base: os fundamentos psicológicos das relações sociais. Esse tema que tanto encantou o querido Monsieur Le Fouks. E que me parece ser um problema que acompanhou sua obra do início ao fim. Ele era admirador do psicanalista e antropólogo Abram Kardiner, que escreveu justamente o livro que Foucault mais gostava: As fronteiras psicológicas da sociedade. Foucault também foi discípulo assistente de Ludwig Binswanger, que era muito amigo de Freud, sem ser discípulo dele. Kardiner foi analisado por Freud e escreveu um relato disso. Pronto, o tema do semestre que vem está montado. Agora é continuar com a mão na massa. Esqueci de dizer o principal, tudo isso por pura influência do Henry Miller.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Onde está o crime?

Se tudo é crime, então, nada é crime. Se o crime da ordem não é tratado como crime, por que então tratar o crime da desordem como crime? Crime é produzido por quem diz o crime com chances altas de ser reconhecido como sendo a palavra de ordem capaz de dizer o crime. Então, qualquer um pode ser do crime, basta para isso que palavras de ordem sejam acionadas para dizer o crime do outro. Qual o pior crime? Não reconhecer que se faz parte da origem geradora do crime? Liberar o crime para quem defende a ordem contra o crime? Proibir o crime para quem defende uma vida sem lei? Não há vida sem crime onde há liberdade? Não há crime onde a liberdade é um crime, apenas estado de exceção. Uma sociedade livre, essa possibilidade de uma monstruosa utopia, demoníaca, contra a liberdade, em nome da liberdade, é mais ou menos perversa do que a liberação de matar sem crime, de matar impunemente, conferida pelo Estado de paranoia a seus grupos executivos perversos? Pode-se morrer de ordem, nesse caso a ordem é o crime. Também se pode morrer de desordem, nesse caso a desordem é o crime. Não há crime fora de uma relação tensa entre ordem e desordem. Afinal, o crime, além de mobilizar a maldade nos humanos, também impede a realização outra da agressividade que passa pela criação de novos vínculos, o que não se faz sem destruição de vínculos passados, cristalizados. A mobilidade absoluta é o mal? A fixidez absoluta é também o mal? A negociação certamente não é o bem, muito menos o bem comum, é uma tergiversação em torno da impossível justiça, o que não quer dizer que não seja útil negociar. Será que a sociedade brasileira não está precisando abrir uma ampla negociação com o crime? Onde está o crime? Em toda parte, ou seja, em lugar nenhum. Poderia ser esse um ponto de partida? O reconhecimento de que não somos o crime, pois ninguém pode ser o crime, pode apenas agir de tal modo que o crime se lhe apegue, mas pespegar o outro no crime não é uma tarefa fácil quando estamos todos no crime, esse crime horrendo com que a ordem nega a si mesma, lançando-se para fora da ordem da Lei.