quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sobre a pretensão de cientificidade das ciências humanas.

"Desde o século XIX, a pretensão sempre frustrada da cientificidade foi o modo de funcionamento de toda uma série de saberes que se chamam ciências humanas. O fracasso dessa presunção não impediu que eles se inscrevessem, fortemente, na história da nossa cultura e até na própria trama da nossa existência. A pretensão vã à cientificidade remete talvez menos à impotência desses saberes do que aos efeitos de poderes singulares que nossa civilização empresta ao discurso científico" (Michel Foucault apud Eribon).

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Foucault e a literatura.

"a literatura constitui um jogo organizado com todas essas impurezas ou complicações que, na língua, perturbam a simplicidade da mensagem e empanam a transparência das comunicações elementares (...) A literatura não reside na perfeição da mensagem; ela não se aloja na adequação do dizer bem; ela está do lado do dizer mal - do excesso ou da carência, da lacuna ou da redundância, do muito cedo ou do muito tarde, do duplo sentido e do contratempo. A literatura mais pura abre seu caminho na opacidade desses deslocamentos, desses ruídos que tolhem a eficácia da mensagem. Enfim, a literatura, no seu discurso, trama estranhos circuitos, curiosos desenhos entre o locutor e o destinatário; desdobrando-os, escondendo um, representando o outro, jogando indefinidamente com a primeira pessoa e com as formas possíveis de interlocução" (Michel Foucault apud Eribon, F. e seus contemporâneos). "o que faz com que um discurso literário seja literário? Como um discurso dá a si mesmo os signos da literatura?" (Foucault). Para Foucault, este foi o problema central lançado por Barthes na década de 1950, retomando a tradição do formalismo russo na análise literária que não passasse pelas abordagens fenomenológicas e psicanalíticas dominantes na França, onde a questão era outra, a saber, investigar do ponto de vista da análise do autor o "espírito imaginário do escritor e as metáforas que traduziam seus fantasmas". (nota de estudo).

Ler um livro.

"Ler um livro, falar de um livro, era um exercício [nos anos 50 de Barthes e Blanchot, esses mestres da função do trabalho crítico] ao qual as pessoas se dedicavam, de certo modo, para si mesmas, para seu próprio benefício, para se transformarem a si mesmas" (Michel Foucault).

Foucault e a antropologia.

Estou absolutamente encantado com o fato de Ruth Benedict e Franz Boas serem dois antropólogos que influenciaram o pensamento do Foucault de um modo que ele próprio reconhece como decisivo. Não sabia disso. O artigo que estou escrevendo sobre "Foucault e a pesquisa social contemporânea" (título provisório) vai começar agora por aí. Foucault como etnólogo. Mas só tem um ponto que está me encasquetando. Por que será que Lévi-Strauss não gostava da obra de Foucault e chegou inclusive a votar contra Foucault na eleição do Collège de France, uma vez que da parte de Foucault sempre houve uma grande reverência para com a obra de Lévi-Strauss? Será que tem a ver com a revisão de literatura que Foucault escreveu fazendo o elogio de Pierre Clastres ou deita em fatos mais antigos? (nota de pesquisa).

O fantasioso e a descompreensão.

As pessoas tendem a considerar fantasioso tudo aquilo que não são capazes de compreender. Não havendo compreensão, desqualificam a questão. É um tipo de resistência à realidade. Um dos grandes desafios dos processos educacionais é provocar nas pessoas a necessidade de ampliação de seu quadro de compreensão do real. É fazer a compreensão sair do quadro, de certa forma. É desenquadrar a compreensão. Fazer a compreensão alçar voos, lançar-se em arrodeios mil, de modo a se desenvolver a capacidade de lidar com planos complexos de causação não-linear, entre outras coisas, como pensar sobre a capacidade de pensar.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Situações de dependência

Uma análise das situações de dependência do sujeito está em função de uma crítica da concepção de um sujeito fundacional. Todavia, os modos de assujeitamento também estão em função de uma crítica dos modos de dominação na perspectiva de uma genealogia da ética. (nota de estudo).

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A certeza da insuficiência.

A tomada de consciência da insuficiência de nossas ferramentas de trabalho é fundamental como atitude no mundo da pesquisa. É impressionante como há colegas muito mais competentes do que nós e que temos muito o que aprender com eles e elas. Quem não se dá conta de suas próprias limitações, dá com os burros n'água. Há centenas de pessoas fazendo as coisas de um modo mais criativo, teoricamente mais bem informado e com melhor assertividade que nós, porque os elementos nos faltam. Isso tudo me dá mais vontade de trabalhar.

A função crítica.

Palavras com as quais podemos definir a atividade de pensamento como um modo de crítica e, portanto, de ação política: indocilidade, insubmissão, recusa ativa, mal-estar, não à opressão, não-servidão voluntária, revolta, deslocamento, fora da ordem, ou seja, liberdade. Sem pensamento, não há ação política. Neste ponto, pelo menos neste ponto, Madame Arendt converge com Monsieur Foucault.

Mecanismos positivos de poder.

Lembrete: o livro II do Capital, sobre o processo de circulação do capital, é o ponto de partida para uma análise dos mecanismos positivos das relações de poder, segundo Foucault (nota de estudo).

Questões de linguagem

Quebrando a cabeça para entender a divergência teórica Cassirer-Heidegger no que tange à questão da linguagem. A divergência foi tão grave que eles pararam de se cumprimentar quando eram vivos. Como está muito difícil de resolver essa equação, para facilitar, vamos também de enfiada trazer a divergência Derrida-Searle à baila, usando a mediação de Strathern pra fazer de modo homólogo a tradução dos pares de divergência. Botar o Lacan no meio poderia facilitar também, não é?

Nota de estudo: antropologia e Foucault.

Lembrete: a revisão de literatura que Foucault faz da questão das regras na sociologia e na antropologia na França, contrapondo Durkheim, Lévi-Strauss e Pierre Clastres, é primorosa e permite uma problematização do tipo de generalidade que os três autores mobilizaram para dar conta de suas modelizações do sistema social enquanto sistema de regras, com exceção de Clastres que rompe com o primado da regra como fonte última do funcionamento do sistema. (nota de estudo). Pesquisando e aprendendo: diz aí que eu não sabia que Foucault, antes da tese de doutorado, História da loucura, era já fã da antropologia cultural norte-americana, adorava Ruth Benedict, por exemplo, e pensou em fazer a pequena tese sobre a noção de cultura na antropologia norte-americana. Que maravilha! Outra coisa que me surpreendeu foi saber que antes de definir que a tese principal seria História da loucura, ele pensou em duas alternativas: 1. Filosofia pós-cartesiana na Itália e na Holanda. 2. "Estudo sobre a noção de 'Mundo' na fenomenologia e sua importância para as ciências humanas. Isso quer dizer que eu estava seguindo uma pista certa de modo intuitivo em sala de aula esse semestre, aproximando Foucault do professor que ele tanto admirava: Merleau-Ponty. Vamos seguindo que todo dia se aprende algo novo (em tempo: a partir de 1960 o pensamento dele é anti-fenomenologia abertamente). E mais detalhes: Passeron conta que na École Normal, Foucault só falava de Husserl sem parar. E quando anunciou que ia estudar o conceito de mundo na fenomenologia foi o momento que descobriu Nieztsche, e o livro de Heidegger sobre Nietzsche teve um papel nisso, juntamente com Bataille e Blanchot. É uma misturada danada!

Prática de estudo

Dizer com as próprias palavras coisas já ditas mil vezes antes por outras pessoas: uma prática de estudo fundamental.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A hostilidade ao desconhecido

O sentimento de termos limites bem definidos na experiência de quem somos, um sentimento de nós bem delimitado com que fazemos a segurança de nós mesmos, é uma aparência enganosa. Aquilo que diz respeito ao nosso self e que é classificado com autônomo, unitário, bem demarcado, é esta classificação de um Ego delimitado, no sentido psíquico, o que há de mais enganoso nessa aparência de que um self, no sentido sociológico, é capaz de fazer de si vestindo fantasias absolutas de poder. É importante ressaltar que há pressuposição recíproca entre o sentido psíquico do auto-engano e o sentido sociológico de um self como fachada. O trabalho de manter para fora o sistema de delimitação claro e preciso do Self busca esconder a impermanência constante das fronteiras que um self reivindica com sendo dadas, estipuladas, sólidas como uma fortaleza, quando o que há é variação contínua de fluxos empíricos que ameaçam de dissolução os resultados sempre provisórios do esforço de enquadramento de si como uma individualidade, uma identidade e uma subjetividade (nota de estudo a partir de um excerto de Freud que não me sai da cabeça jamais). O fora é ameaçador para quem não faz de si o desafio de uma aprendizagem de pessoa em fluxo. O medo do desconhecido é o mecanismo de investimento na delimitação de si, nas fronteiras de um sentimento de nós, que se associa à atitude de fechamento diante de outros, e dos direitos de outros, o que corrobora com a crença na lealdade do próprio coletivo que assim se torna grupo corporado (nota de estudo). É preciso repensar a questão da hostilidade ao desconhecido (Freud e Canetti dão um bom ponto de partida para isso).

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Ninguém convence ninguém.

Ninguém convence ninguém. Podemos apenas nos aproximar ou nos distanciar ao sabor dos ventos e das circunstâncias, mas mesmo para isso precisamos nos distanciar de quaisquer convicções, principalmente, das nossas. O primado do distanciamento em relação ao próprio grupo de origem, deslocando-se frente aos seus modos de referenciação, é condição da troca de condição com outras práticas e praticantes. Viver espaços como espaços heterogêneos, nem vazios, nem plenos, nem escassos, nem monolíticos requer desprendimento e, sobretudo, falta de compromisso com a camada nós do próprio eu. Não estou inventando a roda ao dizer isso, estou apenas atualizando uma literatura muito antiga que remonta, talvez, à Montaigne, e chega até Lévi-Strauss. Ninguém convence ninguém.

em fluxo, a partir de uma citação de Alexander.

Pessoas nos fluxos, fixações nos fluxos, ansiedades nos fluxos, fluxos nas formas, devir-fixo, fixidez de fluxos, estilização no que ainda não é pela repetição do que já foi mas deixou de ser no campo de batalha do presente. Sim, eu sou uma pessoa no fluxo. Não, o fluxo não é um atributo de sujeito. Talvez, performo a mim mesmo, abandonando o outro generalizado que me impuseram e abraçando o outro no qual assumo a condição de sujeito na experiência limite da própria impossibilidade desta condição.

Da distração aos novos modos de atenção.

Saber variar os modos de existência, fazer variar os próprios modos de existência, pela experimentação de novos meios expressivos, pela permissão de acesso à imaginação conceitual dos outros, pelo deslocamento dos modos de atenção na exploração de novos domínios e de novos materiais. Ocorre que, por vezes, as formas da distração estão sobrecarregadas de investimentos heterônomos; o que é distração, senão a inflação de escolhas no supermercado? A centralização da atenção na economia da escassez, na falta como mecanismo sociológico de produção de distração, leva à produção de seres faltosos. O pluralismo de mercado apenas descentraliza, o que é um modo da centralização, um modo liberal de centralização. Neste sentido, os modos de atenção para se deslocarem, fazendo variar os modos de existência, precisam criar relações com a dispersividade das relações. É a dispersão, não a distração, o que provoca novos diálogos com os acessos de saber com os quais reativamos a atenção que cria vínculos novos, que cria diferenças que produzem diferença (abertura de significação descentradas de sujeitos dados).

Ação moral em situação

Não existe condenação em geral de um ato considerado contra a lei. O valor moral de um ato está, nas circunstâncias que o manejam de lá para cá e de cá para lá, na atribuição de um estatuto para o outro com que se realiza o intercurso do ato: se o outro ocupa lugar elevado nas fantasias de grupo de quem avalia ou se o outro ocupa lugar denegado nessas mesmas fantasias, essa atribuição de uma forma de subjetividade negativizada ou positivada para o outro será decisiva na valoração moral do ato contra a lei. E costuma borrar a fronteira entre legal e ilegal, entre o que é conforme a lei e o que é contrário a ela. (nota de estudo).

Concepção de humano em Foucault

Errar e enganar-se. "a vida culminou , com o homem, num ser vivo que nunca se encontra inteiramente em seu lugar, num ser vivo que está destinado a errar e a enganar-se" (Foucault). Poderia também ter sido escrito por Gregory Bateson. Aliás, estou tentando fazer convergir as belas páginas de Bateson sobre erro e diferença na vida e os raros trechos em que Foucault se lança num voo desse tipo. (nota de estudo).