terça-feira, 30 de julho de 2013

Um retorno e uma mistura

O objeto é símbolo. Um símbolo é um objeto. Os objetos são verdadeiramente simbólicos. A experiência do real articula-se no procedimento de estetização do real. A própria experiência do real é um procedimento, deriva de uma forma de apreensão, de um modo relacional de estabelecer relações e buscar conexões de sentido. Se tudo então é visto como símbolo, nada é símbolo. O objeto é o elemento de um domínio. É da ordem ou da produção ou da criação. Ocorre que o simbólico é a espessura de uma farfalharia. A insignificância, a indeterminação e a fluidez do real fazem do simbólico a potência do falso, uma fantasia composta de imagens estéticas que estabilizam algum tipo de clareza, uma poetização que é condição de existência para a razão. A razão poetizante. Na fabulação, na narração simbólica, a unidade descentrada da experiência do real insurge-se contra a entidade do ente.

Críticas da sociologia

"...a sociologia limitou-se, de fato, àqueles fenômenos sociais nos quais as forças de interação já estão cristalizadas desde os seus suportes imediatos ao menos em unidades ideais. (...) Além daqueles fenômenos perceptíveis de longe, que se impõem por toda a parte devido a sua abrangência e importância externa, há um número imenso de formas menores de relação e de modos de interação entre os homens, em casos singulares aparentemente insignificantes em uma medida nem um pouco desprezível, e que, na medida em que elas se movem por entre amplas formações sociais, por assim dizer oficiais, realizam na verdade a sociedade, tal como nós a conhecemos. (...) A partir de formações do tipo nomeado, que foram os objetos usuais da ciência da sociedade, a verdadeira vida da sociedade, presente na experiência, não ganha absolutamente corpo; sem o efeito mediador de inúmeras sínteses, em si mesmas de extensão menor, às quais estas investigações devem dedicar-se em grande parte, tal vida da sociedade se fragmentaria em uma multiplicidade de sistemas descontínuos. O que torna difícil a fixação científica de tais formas sociais aparentemente menores é ao mesmo tempo o que as faz extremamente importantes para um entendimento mais profundo da sociedade: que elas em geral ainda não se firmaram em formações supraindividualizadas, sólidas, senão que indicam a sociedade im status nascens. Naturalmente não em seus inícios primeiros e historicamente insondáveis, mas sim naqueles que ocorrem a cada dia e a cada momento; a socialização entre os homens se ata e desata e se ata mais uma vez continuamente, como um correr e pulsar eterno que encadeia os indivíduos, até mesmo onde isso não se eleva a organizações próprias. Trata-se aqui como que de procedimentos microscópicos-moleculares no interior do material humano, que são contudo o verdadeiro acontecimento que se hipostasia ou encadeia naquelas unidades e sistemas sólidos e macroscópicos" (Simmel).

domingo, 28 de julho de 2013

A luta pela existência como poética

A luta política no sentido mais elevado gira em torno da luta pela existência enquanto criação poética, uma vez que é na criação poética que de Kant à Nietzsche decide-se algo sobre a liberdade humana. O poético, a razão poetizante, instaura o horizonte mesmo a partir do qual se vive para além da clausura do meio, pois o sistema de delimitação do próprio meio, do ente, é circunscrito pela atividade de criação de categorias que posicionam a perspectiva de um horizonte de sentido.

A criação contra o pensamento habitual

O pensamento habitual é o esquecimento dos atos de criação, é o esquecimento do próprio pensamento enquanto potência de criação daquilo que é fora da ordem e desde sempre está em lugar nenhum. O pensamento habitual, enquanto neutralização da potência da criação da mesmidade, segundo a qual torna-se possível pensar algo em geral, deita suas raízes no pensamento metafísico. Há uma metafísica cotidiana escondida no comportamento mais ordinário e habitual.

Conceitos da vida

Os conceitos não são uma prerrogativa do entendimento teórico da vida. Os conceitos são lampejos do espírito e enquanto tais precursores da alma. Mas antes dos conceitos atuarem como força interna de pensamento, as corporificações borbulham, emergem, como corporificação do processo vital, como afecções. O pensamento se exerce no horizonte de sentido de cujos limites sua perspectiva é a tarefa principal. (nota de estudo).

Transgressão, comentário ao "o que é experiência".

Transgressão foi uma ideia abandonada por Foucault em determinado momento. Quando suprimiu o prefácio à História da loucura, onde usava o termo, por exemplo. Na releitura que estou a fazer da obra de Foucault, estou buscando explorar quais potências foram neutralizadas por Foucault com o recalque do termo. O alvo explícito era a fenomenologia e a leitura de Bataille sobre Nietzsche. Mas o que Foucault perdeu com essa exclusão consciente da discussão sobre a transgressão, talvez seja aquilo que Judith Butler aponte como sendo uma das ausências em Foucault: uma nova teoria do sujeito. No final da vida do filósofo, há um retorno para a questão da hermenêutica. Tudo se passa como se horizonte e perspectiva, dois termos chaves da interpretação de Heidegger sobre Nietzsche, retornassem ao campo de questões de Foucault com toda a força de uma transgressão intelectual interrompida. Mas isso não passa de uma hipótese de trabalho. Um ponto de partida. Não estou defendendo nenhuma tese.

O que é a experiência?

A experiência é palavra solta ao vento. A linha tensa, retesada, que suporta o objeto da experiência é um elemento cortante. Não basta sentir a possibilidade de uma quebra, a chance de que o objeto da experiência despenque do alto onde a firmeza é quase um evento incrível. Um certo peso recobre a mão. Uma certa leveza dirigível parece preconizar que tudo não passa de uma brincadeira. As lufadas se lançam contra tudo isso, indiferentes à existência do objeto, movendo-se por si mesmas, cumprindo suas próprias rotações, mas é como se tudo fosse cosmológica e intencionalmente posto para nossa experiência do objeto flutuante. O que esvoaça em nós nesse objeto frágil que paira, por vezes inerte, outrora deitado no abraço, como ferramenta de trabalho, depois de tudo, como ação livre, desprendido das mãos que o manipularam como mãos de artesão, e que, por vezes, da inércia absoluta, com seu peso e sua tensão, explode, joga-se no abismo e mergulha de testa, precipitando a frágil estrutura do objeto da experiência na mais dura dinâmica da coisa em si, na pedra, no asfalto, no chão duro, na terra batida ou simplesmente nas areias das dunas que de tão móveis semelham cortar a estrutura ao meio. E nesse ir e vir do objeto lançado ao vento, tal qual palavra de profecia, quem é ponta e quem é linha? O limite deixa de ser a ligação entre dois pontos. Nem o sujeito da experiência, nem o objeto que teima em lhe negar a precedência podem nos dizer algo sobre a tensão, quase musical, e sempre cortante, da experiência enquanto gesto de auto-posição do próprio limite. E o que desponta no limite, portando em si mesmo, causando a própria potência desse limite? Ou não haveria nada a causar, a causer, talvez, mas sem princípio, sem axioma, o único a priori, portanto, sendo o próprio limite cortante, e o acontecer do limite que se elabora pelo seu gesto. Seja o gesto do limite que explode nossa consciência, ou do gesto do limite que jamais consegue preceder a Lei, mas foge dela, acossado, em desespero de língua, de fuga de código, ou o gesto dos limites da nossa inescapável linguagem. O que faz do riso um elemento do sacrifício do eu, ou do êxtase um elemento de dispersão do sujeito, ou da comunicação um modo de aparência que nada manifesta, que não esconde, que não oculta nenhum conteúdo, mas apenas os mecanismos de ocultamento, enfim, o que seria desse riso quando se nos dirige, como um grito, como uma voz de recusa, um apelo de morte contra o absoluto, contra aquilo que nos precederia desde o sempre? Apenas contestação, sem escândalo, nem subversão? "La transgression est un geste qui concerne la limite; c'est là, en cette minceur de la ligne, que se manifeste l'éclair de son passage, mais peut-être aussi sa trajectoire en sa totalité, son origine même. Le trai qu'elle croise pourrait bien être tout son espace" (Michel Foucault).

O que é o conhecimento?

Quando estamos desafiados por algum problema prático para o qual queremos dar uma solução a nosso favor, comumente falamos: "vou arranjar um esquema" ou "vou montar um esquema" ou "vou fazer um esquema" e suas diversas variações. Na variação contínua do real, no devir, a ideia de arranjo expressa o modo contingente e circunstancial com que se lida com o mundo social que é essencialmente contingente e circunstancial, portanto, plural. Se não há meta, nem sentido, nos fluxos das coisas, meta e sentido no fluxo mesmo das coisas, quero dizer, podemos então dizer que um arranjo é uma maneira de perceber, avaliar ou agir que impõe a partir da força determinante do pensamento um desdobramento para um problema, o que não exige sua solução, pode ser apenas um desvio, uma forma de contorná-lo, de possibilitar que algo acontece, algo que estava bloqueado de acontecer. O esquema a ser arranjado é a forma do conhecimento prático capaz de fazer ir para frente ou para os lados ou para baixo ou para cima ou para trás ou capaz de fazer fugir algo. Um deslocamento que desbloqueia e permite a abertura da relação. O processo de esquematização é o que podemos entender sobre aquilo que é designado pela palavra conhecimento. Conhecer o conhecimento não é um luxo, não é uma peça acessória nesse processo, conhecer o conhecimento é reposicionar a capacidade de fazer novos esquemas para impor alguma forma e regularidade ao que há de se fazer em meio ao caos.

O sofrimento e o campo

Condições de existência são condições de compreensão. Quando se diz que o desafio do trabalho de campo antropológico está na base da troca de condições que o produz, pode-se ler nesse sentido de uma troca de condições de compreensão, o que envolve trocar modos de comunicar e falar sobre correlações. No campo, a dor, o sofrimento, o aguilhão da palavra de ordem incrustada no corpo, incorporada pelo corpo, que tragicamente se oferece como condição de compreensão da condição do sofrido. As condições existenciais estão na base do trabalho de campo etnográfico. De um lado, Lévi-Strauss lembra que o etnólogo é quem se adapta muito mal ao seu próprio grupo de origem. De outro, Wagner lembra que a condição do antropólogo em campo é de um estranho profissional. Só não deixar esse ritornelo da reflexividade sobre o campo barrar a descrição etnográfica do funcionamento do universo que instaura o sofrido.

terça-feira, 23 de julho de 2013

O planeta terra no presente

Há mais de 7 bilhões de indivíduos biológicos homo sapiens sapiens no planeta. A variação cultural contínua é a lei da terra do ponto de vista antropológico. As configurações de forças são múltiplas. E as multiplicidades de práticas efusivamente dispersas. A dispersão é minimamente controlada por procedimentos de redirecionamento da atenção. Portanto, a questão central hoje é que o centro é uma ilusão. Ninguém está no centro, exceto pelo erro de percepção de se conceber como um centro que se move em torno da terra. Nem mesmo o planeta terra possui um centro digno de confiança, por que não dizer: um centro explosivo. Não é a dispersão que gera a guerra. A guerra é produzida pela centralização da atenção de uma camada que é assim alçada à condição de "superior", pela compensação da atenção de um camada que é lançada nas zonas intermediárias, nos mercados de venda de atenção, e de uma neutralização da atenção das massas sobre as quais os aparelhos navegam, esquadrinhando-as, otimizando-as como forças neutras em busca de qualquer atenção, subnutridas de expectativas quanto à qualidade da atenção dispensada. Mas o esquema não bate com a radicalidade com que os fluxos lanças essas camadas de cima para baixo e de baixo para cima sem cessar, embaralhando e misturando tudo.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

A problematização da relação linguagem-mundo. O ponto de partida.

No modo como se concebe a linguagem em conexão com o mundo está a chave para a questão da relação entre pensamento e loucura. Nem toda forma de discurso é usada para fazer alguma correspondência entre a linguagem e a estrutura das coisas. Há formas de discurso cujo interesse é contagiar o outro, é incitar, provocar transformações, e não transmitir informações sobre algo. Se já havia como problematizar a concepção de linguagem como estando em correspondência com um estado de coisas, no sentido de se perguntar não como algo é algo, mas como é possível ver algo como algo, é, igualmente, passível de problematização conceber a linguagem como experiência. O que está em jogo nesta discussão é pensar os regimes de enunciação como jogos de linguagem, de um lado, mas, indo além disso, como jogos de verdade. São as condições práticas de falas que enunciam verdades que ensejam o exercício de pensamento que também se quer uma experimentação. Se há experimentação, há também questionamento da força e da autoridade, de modo que é a própria noção de certeza que passa a ser problematizada. É sempre bom lembrar que a certeza absoluta está em função de uma fantasia neurótica de que tudo o mais seja dito enquanto referido a um centro de poder, sendo que as impotências que são inerentes a esse ato de se autonomear um centro de poder, a impotência do próprio sistema de delimitação e de autonomeação do centro de poder não é tematizada pelo centro de poder, é algo pressuposto de modo implícito, é o próprio discurso de verdade em operação.