sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Descobrindo Bauman.

Precisamos evitar ao máximo o preconceito teórico. Durante anos, nutri um preconceito desse tipo contra Bauman. Era fruto da minha completa ignorância. Eu criticava Bauman de modo leviano. Faço mea culpa sobre isso. Ele é um pensador interessantíssimo. Depois que comecei a lê-lo com mais atenção, sem preconceitos, descobri que se pode aprender muita teoria clássica e contemporânea com ele, além das excelentes análises. Apenas a repetição editorial de certo esquema é cansativa. Era por isso que eu nutria o preconceito. Mas li um livro dele, chamado Towards a Critical Sociology: An essay on commonsense and emancipation, que me fez mudar completamente de ideia. É um livro de 1976, dividido em três partes: The Science of Unfreedom, Critique of Sociology e Critique of Unfreedom.

As práticas e a liberdade humana.

"Ce que j'essai d'analyser, ce sont les pratiques, c'est la logique immanente à la pratique, ce sont les stratégies qui soutiennent la logique de ces pratiques et, par conséquant, la manière dont les individus, librement, dans leurs luttes, dans leurs affrontements, dans leurs projets, se constituent comme sujets de leurs pratiques ou refuser au contraire les pratiques qu'on leur propose. Je crois solidement à la liberté humaine" (Michel Foucault, p.693).

Subjetividade, agência e poder.

Subjetividade, agência e relações de poder. Compreender a produção social da subjetividade, levando em consideração dois aspectos: a) processos de sujeição, de assujeitamento, do sujeito como sujeito assujeitado, portanto, objetivado como indivíduo, de um lado; b) processos de liberação e liberdade que constituem sujeitos insurgentes, na resistência contra as situações de dominação, questionadores das próprias condições históricas e sociais de sua sujeição, de outro. Uma nova teoria do sujeito. Uma antropologia da subjetividade conectada a uma antropologia das relações de poder. Um questionamento sobre como emergem capacidades agentivas de sujeitos em contextos culturais e políticos onde forças estruturantes os constrangem, não apenas limitando-os, mas capacitando-os a fazer deslocamentos e a criar novos contextos, ou seja, produzir diferença, perspectiva, pois a perspectiva possui precedência sobre o contexto. A agência de pessoas concretas nos mais diversos contextos etnográficos. E as pessoas concretas são produzidas na rede de relações, pelas forças configuradoras de sujeitos, forças que atravessam os campos de práticas. Os sujeitos são produzidos nos campos de práticas e a partir deles. O sujeito, como dizia Nietzsche, é uma multiplicidade. Ou seja, uma multiplicidade de práticas de sentido que o compõem de modo heterogêneo. Individualidade, subjetividade e identidade nas conexões com entidades sociais. É essa agenda temática que do ponto de vista teórico tem me interessado. Nada melhor do que começar a semana de trabalho, pensando mais uma vez sobre o lugar da teoria na produção do conhecimento sociocultural e político.

Erving Goffman na pele em que habita.

"la naturaleza más profunda de un individuo no va mucho más allá de la piel, de la espessura de la piel de sus otros" (Goffman). O ponto de partida para uma teorização situacional do sujeito. O sujeito não possui essência, apenas coreografias, apenas corporalidade, que se multiplica e se divide. Esta ideia aproxima Nietzsche, Foucault, Butler e Deleuze de Goffman. Pelo menos na inspiração da letra.

Michel Serres e a teoria.

"Gostaria muito que se dissesse, pensasse ou ensinasse que um fato não existe, não é visto nem pensado, exceto se as condições globais de cultura ou teoria o constituem ou o façam aparecer; mas a prática dessa ideia continua sendo o inverso da ideia. (...) Tende, então, uma boa teoria, se quereis permanecer cegos frente aos fatos que ela ignora" (Michel Serres).

Butler e Honneth: diálogos possíveis.

A tese de doutorado de Axel Honneth e a de Judith Butler podem ser lidas conjuntamente num exercício contrapontístico. Estou fazendo isso agora para transformar em um curso daqui a um ano, quem sabe. Ambas discutem questões como sujeitos de desejo e busca por reconhecimento, seguindo caminhos bem díspares, ou seja, recorrendo a tradições diferentes de pensamento. O ponto de partida em comum são releituras de Hegel.

Karl Marx: unanimidade na discordância.

Max Weber, Hannah Arendt, Michel Foucault e Pierre Bourdieu: quatro pensadores não marxistas, críticos do marxismo, que compartilharam a ideia de que Karl Marx é o fundador das ciências sociais e que é com ele e contra ele que a sociologia pode se constituir. Nenhum deles aceitaria qualquer tipo de dogmatismo sobre ignorar Marx. No caso de Weber, ele dizia expressamente em sala de aula que não estudar Marx e Nietzsche era cometer uma desonestidade intelectual, pois não se teria como compreender a modernidade sem esses dois autores.

Bourdieu e Foucault: quem cabe em quem?

A posição metateórica de um autor em relação ao status epistemológico das ciências sociais, desde sempre questionadas em sua pretensão de cientificidade, não anula a riqueza das contribuições teóricas e metodológicas do autor no trato da complexidade dos mundos sociais. Por exemplo, Foucault e Bourdieu são incompatíveis do ponto de vista epistemológico, pois o primeiro adota uma crítica genealógica da sociologia que não deixa pedra sobre pedra, enquanto o último é o grande campeão da defesa do ideal de objetividade científica, que garante a sociologia como saber no campo das ciências. A despeito disso, a noção de poder em Foucault cabe em Bourdieu, apesar de que a noção de poder em Bourdieu não cabe em Foucault. São detalhes importantes nos estudos teóricos.

História social do presente: Bourdieu e Foucault.

Segundo Pierre Bourdieu, a sociologia é uma história social do presente. É interessante isso, pois Foucault também fala de história do presente, que a genealogia é uma história do presente. Contudo, Bourdieu possui uma série de discordâncias sobre a noção de genealogia de Foucault. Outra maneira de colocar a questão é dizer que a história é uma sociologia do passado. Essa ideia vai ser fundamental para a nova história. Francois Simiand, discípulo de Durkheim, escreveu um belo texto sobre isso, retomando uma ideia de base do mestre, para quem o caráter histórico da sociologia é fundamental. Bourdieu irá radicalizar e proporá pensar o social como historicidade, daí a formulação da noção de campo. É a relação entre historicidade e sistema que está em questão. Michel Serres, a respeito dessa relação, e recorrendo a Leibniz, escreveu que o sistema é um condensado de história.

Bourdieu e Elias: pensar o campo.

Tanto Bourdieu quanto Elias pensam no campo como campo de forças ou de tensões, contudo, a noção de campo de Elias parece manter a perspectiva de uma estruturação de relações entre pessoas enquanto Bourdieu insiste sobre relações entre posições sociais. Apesar disso, do ponto de vista metodológico, Bourdieu argumenta que é interessante analisar uma rede concreta de pessoas para obter uma visão mais ampla do espaço das posições a partir das posturas dos agentes, que são operadores práticos na construção do campo.

A socialidade das crianças

As teorias sociais contemporâneas estão fortemente ancoradas nos estudos sobre o desenvolvimento da socialidade das crianças. Piaget, Erikson, Winnicott, Klein, entre outros autores da psicanálise, da psicologia social e da psiquiatria infantil foram influências decisivas para sociólogos como Bourdieu, Elias, Giddens, Habermas, Honneth, entre outros. É uma dimensão que fica relativamente oculta, mas precisa ser desvendada por quem deseja aprofundar os estudos em teoria social contemporânea.

Dilemas da sociologia

"Uma boa parte daqueles que se dizem sociólogos ou economistas são engenheiros sociais que assumem a função de fornecer receitas aos dirigentes das empresas privadas e das administrações [públicas]. Oferecem uma racionalização do conhecimento prático ou quase-científifico que os membros da classe dominante possuem do mundo social", por outro lado, "reduzir o pesquisador ao papel de simples militante, sem outro fim nem meio que a política ordinária é se anular como um pesquisador capaz de usar as armas da ciência a serviço de objetivos visados: capaz de oferecer os meios de compreender, entre outras coisas, os limites que as determinações sociais das disposições militantes impõem à crítica e à ação militantes" (Pierre Bourdieu).

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O tabu da autoanálise

Nós, cientistas sociais, somos bichos curiosos sobre a vida de todos os outros bichos sociais, praticando o interdito fundamental que é não analisarmos a nós mesmos como bichos sociais. Quebrar essa regra é tabu.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Interpelação e subjetividade.

A suspensão do juízo condenatório é condição da relacionalidade ética. A eticidade passa pelo mútuo reconhecimento da opacidade de si e da cegueira parcial que acometem todos os seres humanos, sem exceção. Existem formas abusivas dos outros nos convocarem. É preciso lutar contra o abuso do outro. Uma luta que passa pelo cultivo da capacidade ética de narrar a própria vida.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Como um golfinho

Uma imagem forte que Paul Veyne criou para falar da dupla condição de pensador cético de Michel Foucault foi a do aquário. Os peixes dentro do aquário não sabem que vivem dentro de um aquário, não conhecem os limites do seu próprio mundo, e tomam o mundo do aquário como sendo o mundo em sentido essencial, ou seja, o único mundo existente e possível. O método de Foucault pode ser entendido pelo salto do golfinho. O exemplo é do próprio Foucault. O golfinho mergulha no mais profundo e com um forte impulso emerge dando um grande salto giratório sobre a superfície. E nesse giro, nesse salto, o golfinho obtém uma perspectiva de localização de fontes de alimento e de posicionamento para a sua navegação. No caso do aquário, como peixinhos que somos dentro de um deles, teríamos que aprender a dar esse salto e esse giro que nos permite ver o aquário por um instante do exterior, um pensamento do exterior ganha uma condição existencial de possibilidade a partir deste salto. E o peixinho no aquário nunca mais será o mesmo. Buscará fazer a recusa ativa dos limites impostos em busca de outros mundos possíveis, que não sejam aqueles circunscritos pelo imposto de uma existência imposta.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Nietzsche e a questão do poder

Descobri uma coisa. Parece ser equivocado pensar Nietzsche como uma filosofia do poder. Pois ele inaugurou outra maneira de pensar, uma maneira de pensar contra a ideia de poder como finalidade. Hobbes e Hegel que fizeram filosofia do poder. Enfim. Vontade de poder não é a vontade de chegar ao poder, de possuir poder. Vontade de poder é uma crítica ao poder. Esse alerta é feito por Deleuze e também por Foucault. Marx também foi um crítico da hipostasia do poder, não admitia o campo de luta como princípio universal da vida coletiva, não poderia ser etiquetado como filósofo do poder. Pensando alto, escrevendo o esboço da minha conferência de sexta sobre Nietzsche e a teoria das multiplicidades na antropologia contemporânea. Mas vou trabalhar melhor essa ideia, ainda estou me sentindo confuso diante dela.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Coerência mínima

O importante é a luta contra a passividade e a dependência neurótica em relação aos outros. Pessoas desejantes não cabem em caixas. Não cabem sequer em si mesmas. São pessoas em fluxo. É possível manter alguma coerência diante de tantas incertezas sobre o que seja o mundo sem recorrer a mitologias? Certamente. Caso contrário, não haveria atividade do pensamento. Atividade de afronta ao real. Uma afronta nua e crua, que gera mais ansiedades, naturalmente. Ou seja, uma coerência mínima, provisória e instável.

Dispositivos morais

Os desejos de exercer crueldade contra os outros que são amados e respeitados são frequentemente barrados pelo sentimento de culpa. Já quando dirigidos contra os outros classificados como indesejáveis, são ancorados nas mais diversas justificativas morais, em geral, estapafúrdias. O pior é quando estão institucionalmente consolidadas. Um dos fatos mais destacados do cenário contemporâneo talvez seja o intensivo empobrecimento moral dos debates públicos. Ademais, há formas cada vez mais destacadas de insensibilidade moral circulando no espaço social. Poder-se-ia falar de privação moral que atua como seletividade moral contra os outros classificados como fracos, perdedores e indesejáveis; mas, raramente, contra a devassidão e os crimes dos fortes, vencedores e seus modos desejáveis de referência.

Pulsão de morte

Para se buscar o bem-viver é preciso fazer reflexões sobre as possibilidades e probabilidades de morte que nos ameaçam. Mas tais reflexões não são suficientes, apesar de necessárias. Quem não as faz, assume os riscos inerentes ao que resta subjacente, fora do campo de reflexão. Aquilo que nos impele para a morte parece ser uma condição da criatividade.

Um certa literatura psicológica

Quando estou consumindo, por razões profissionais, certa literatura psicológica anglo-saxã, escrita por brancos de sucesso e dirigida para o sucesso dos brancos vencedores, dizendo que o importante é evitar a atitude desesperada, sinto uma raiva pessoal enorme. Sei que estão falando da maioria de nós, os perdedores, os outros, as ralés desesperadas. Falam da terapia como modo de integração na vida do vencedor, ou seja, na vida do rico, branco, anglo-saxão ou europeu como padrão de felicidade. Estou errado? A emocionalidade me faz errar nesse ponto?

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Aversões nas relações

As pessoas sentem aversão umas pelas outras. Os sentimentos de aversão são parte considerável das relações sociais.

Novos desejos sociais

Esse desejo de um mundo ordenado, onde as normas sejam efetivamente orientadoras da conduta efetiva, sob ameaça de dissolução, é uma resposta extremamente fraca ao caráter inerentemente contraditório das normas e das normas em relação às condutas desejáveis. O neoliberalismo, se isso quer dizer um campo de práticas de conhecimento, tornou-se um contexto por demais afeito ao jogo, onde todos são jogadores. Isso é insuportável para os competidores falhos. Estes desenvolvem então intensos sentimentos de ansiedade que, de modo ambivalente, reforçam o cenário desejável de jogo livre, ou seja, agressivo, mas rechaçam a condição de incoerência contextual que torna possível o jogo generalizado. Nasce um desejo de mercado livre com figuras fortes e autoritárias de controle do desejo.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Conversação com forma de pesquisa

É importante a gente estar atento para o que a gente não quer ouvir. Pessoas que estão em silêncio. Ir lá falar com elas. Não gerar viés, escolhendo apenas quem possui disposição para falar. Muita gente não fala publicamente. E as minorias fazem barulho, diferentemente do que a gente chama de maioria silenciosa. Uma questão de método. Tenta conversar com essa maioria silenciosa. Conversar com pessoas que estão caladas. Puxar conversa com elas, escutar o que elas tem a dizer, sem prejulgar. Não deixar a corporalidade do pesquisador dar entender que não concorda com o que elas estão a dizer. Caso contrário, elas vão se calar ou concordar com ele.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Um dos trechos favoritos de Bourdieu

Pessoas que ocupam posições dominantes tendem a relatar sem parar suas teodiceias de felicidade. Relatam, relatam e relatam o fantasma do dominante. Não param de exibir sua felicidade de dominante, pois desejam não apenas ser felizes, mas dizer que possuem esse direito, esse mérito, em detrimento dos pobres infelizes que merecem ser uns desgraçados. (Leitura livre de uma das principais ideias de Max Weber, trecho sempre citado por Bourdieu).

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Entre modas...

Sinceramente, nesses tempos de modismo em torno da virada ontológica na antropologia, a qual nutro forte simpatia, meu espírito antipático me direciona para um retorno à problemática da linguagem na conexão com o campo social, ou seja, uma reflexão sobre a história da problematização que pensa a mediação entre o simbólico e o social. Retorno ao modismo anterior, uma regressão, minha forma de infantilismo e de cultivo velado do primitivismo modernista na sua versão surrealista ou expressionista.