segunda-feira, 30 de março de 2015

Sobre a história

Sem sentido e sem fim. Não há lógica na história, exceto aquela que os seres humanos lhe impõem de modo paranoico. Processos mentais de totalização, a forma de atuação da paranoia, impõem a todo vapor uma necessidade histórica onde não há nada, onde não há absoluto, apenas absurdo. A essência do humano é o nada. Não há absoluto na história. Só há a priori histórico.

Sobre a liberdade.

O não domínio é uma realidade possível. A dominação não é um atributo universal de tudo aquilo que é. Há vida social sem domínio. Isonomia é uma vida sem domínio. Ocorre que a pluralidade é irredutível. Como então viver em situação concreta de isonomia? Uma resposta possível é fazer uma distinção entre diferenças e desigualdades. Estas são mecanismos sociológicos de constituição do domínio. Aquelas são relações sociais criadoras de novas relações, de novos contextos. Só há então uma causa revolucionária, apenas um objetivo na revolução: a causa da liberdade contra a tirania. Contudo, não há isonomia ampla sem processo de libertação, não há liberdade sem libertação em relação às condições reais e imaginárias que subjugam e assujeitam. O que não quer dizer que a libertação seja causa suficiente da liberdade. Em alguns casos, a libertação da miséria e da pobreza e do sistema de opressões ligado a elas não leva à liberdade. A liberdade não é o apanágio das "sociedades livres", nem a consequência sórdida de um regime de terror. A liberdade é, em primeiro lugar, a prevalência da espontaneidade sobre e contra o condicionamento. Em segundo lugar, a afirmação do campo de decisão humano, baseado no pensamento. Em terceiro lugar, a liberdade para criar novos contextos. Em quarto lugar, a liberdade de dizer não, o direito à revolta, à rebelião e à revolução, um direito relacional, sem princípio metafísico (seja Deus ou a Natureza). Em quinto lugar, a liberdade é a participação na discussão e na decisão sobre o campo das regras de ação cooperativa, de ação coletiva em face da responsabilidade diante da riqueza coletiva. Em sexto lugar, é o direito de revolta individual contra as opressões das regras coletivas. É contra o individualismo e contra o coletivismo. Em sétimo, a liberdade não é uma metafísica, mas uma conquista. A conquista, como processo de libertação, é uma condição necessária para a isonomia em bases reais. Uma isonomia meramente formal, no âmbito do grupo interpares fechado e excludente, desconsidera que a relação entre ricos e pobres é histórica, não natural. A luta pela liberdade não se confunde com o dinheiro pelo dinheiro, a arte pela arte, a guerra pela guerra. A luta pela liberdade não cabe no enquadramento das instituições sociais e políticas. A luta pela liberdade é uma pluralidade de práticas de resistência, de afirmação de diferença intensiva, para a constituição de alianças laterais contra a emergência do Estado.

Sobre a tarefa do pensamento crítico

A tarefa principal é a contestação sem tréguas do sistema de dominação. Nenhuma dominação, nenhuma opressão e nenhum regime de exploração do ser humano pelo ser humano, pode permanecer inconteste. Não há dominação legítima. A crença na legitimidade da dominação é uma função da própria dominação. A crença legitimadora da dominação exerce uma eficácia performativa sobre o funcionamento dos próprios mecanismos de dominação. Não há natureza humana e não há dominação natural. Toda dominação é uma história de dominação. Depende do emprego de meios de destruição, de violência e de mistificação do sentido e do valor das elites sociais, culturais e políticas que compõem o campo da classe dominante, o campo do poder, no sistema da dominação. O exercício do pensamento como base crítica para o campo de decisão de indivíduos e coletividades em luta por emancipação é a tarefa propriamente dita de transformação social. Não há transformação social sem horizonte de sentido capaz de imaginar o sentido da transformação social. A imaginação criadora precisa ser capaz de desconstruir os mecanismos de controle que fazem da imaginação, uma imaginação reprodutora. E a deturpação desta na forma de clichês é o alvo certeiro da atividade intelectual e do agir críticos. Desconstruir o clichê para fazer nascer possibilidades imaginativas do novo mundo, da fundação do novo mundo.

Sobre os fatos.

Os fatos não existem, pois os fatos são teimosos. Os fatos resistem à veleidade humana de descrever fatos como fatos, como se os fatos existissem independentemente dos atos de percepção dos fatos. Os fatos não existem, portanto, como entidades independentes da cognição e do pensamento humanos. Em qualquer apreensão humana dos fatos, há uma teoria subjacente aos fatos, que faz com que os fatos só possam ser pensados e conhecidos através de fatos discursivos. E os fatos discursivos são inseparáveis dos fatos. Há uma pressuposição recíproca entre fatos discursivos e os fatos. O acesso humano ao fato é a construção do fato. O fato não é dado. E até os dados são produzidos. No contexto de produção dos dados, os dados são tratados como objetivos. Se há uma objetividade, é a objetividade dos dados. Mas a objetividade dos dados é uma questão de método, ou seja, de modo de caminhar no trato do dado, que não é simplesmente coletado, uma vez que a coleta é uma ferramenta seletiva e teoricamente orientada. Os fatos científicos são construídos, orientados pelas interpretações teóricas implícitas ou explícitas, sobre a base metodológica da produção de dados, como o campo de objetividade (positividade) para a emergência de um campo de saber correlato, que lhe é coetâneo. A racionalidade não é universal, é histórica, guarda uma pretensão de universalização, todavia, os processos de universalização estão inseridos no campo da historicidade. O transcendental, para não falar sequer da transcendência, que é uma entidade abstrata tratada como se fosse concreta, uma hipostasia do real, uma entidade pseudoconcreta, reificada, enfim, o transcendental é uma forma transcontextual de agir humano. A variação empírica contínua é confrontada pelo pensamento que lhe impõe fixidez, e a fixidez do fluxo gera a estabilização meramente abstrata do fluxo. O fluxo propriamente dito, que é inacessível ao pensamento conceitual, afinal, o fluxo é sem essência, é a pura confusão, o caos, a força destruidora de qualquer estabilidade pretendida. O transcendental é o deslocamento de uma forma de racionalidade, de um contexto a outro, gerando pretensão de universalização. É o pulo do gato.

domingo, 8 de março de 2015