sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Embates entre branquitudes críticas e negritudes críticas

O conflito intergeracional no campo acadêmico desde que universidade e campo científico se integraram no pós-segunda guerra foi o mais sensível de todos, pois envolvia o problema de formação de gerontocracias na academia e nas ciências. Mas isso dizia respeito à interação entre homens brancos mais velhos e homens brancos recém-chegados. A questão de gênero que discute mulheres nas ciências e nas universidades pressionou politicamente a partir dos anos 1960 para que se discutisse que as gerontocracias em torno do big man (homem branco do Norte Global ou ocidentalizado nas margens) era excludente das mulheres. Mesmo com as mulheres produzindo ciência e tocando a universidade com alta qualidade, elas eram quase sempre preteridas das lideranças e chefias. O recorte Norte global e Sul global também veio problematizar as relações entre centros universitários de pesquisa e os países "em desenvolvimento" ou "subdesenvolvidos". Mais recentemente, pesquisadoras cujos corpos são generificados e racializados como negras no sistema moderno gênero/colonialidade, vieram nos mostrar que se havia sentimento de exclusão do homem branco recém-chegado na luta pelo poder e na integração junto às gerontocracias acadêmico-científicas, e as mulheres brancas do Norte global lutaram para entrar no jogo, e os pesquisadores homens quase todos brancos ocidentalizados dos países ex-colônicas também pressionaram para entrar no jogo, isso tudo se deu pela exclusão das mulheres negras do jogo. Neste momento, o dilema parece ser duplo. A versão liberal pela demanda de participar no jogo de poder, rompendo com lugares de privilégios (um conceito liberal de esquerda) ou radicalizar gerando a emergência de ciências não brancas, novas onto-epistemologias e éticas, que reivindicam uma ruptura profunda com o racismo inerente da modernidade acadêmico-científica. Entre esses dois pólos, traçados aqui apenas para efeitos analíticos, há uma gama de variações em luta no próprio campo de luta antirracista. Tenho pensado muito sobre isso. Tenho também percebido que a oposição entre branquitude crítica e branquitude acrítica, elaborada pelos estudos de branquitude, tem sido lida no contexto da recepção brasileira com contornos próprios, diferentes do modo como funcionam nos EUA. Aqui, devido ao caráter mais profundamente racista da formação social brasileira, um racismo mais grave do que dos EUA e da África do sul, como reconheceu o próprio Mandela, os debates se tornaram dramáticos. Acirrados e dramáticos. Ocorre que, enquanto as negritudes críticas e as branquitudes críticas se batem, discutindo suas possibilidades de coalizão e as traições sistemáticas das branquitudes críticas em relação à efetividade da luta antirracista no país, as branquitudes acríticas vão montando com negritudes acríticas subalternizadas (Pele negra, máscaras brancas) por populismos de extrema-direita. E há também outro problema mais delicado: branquitudes críticas que são profundamente racistas e escondem isso de si mesmas e negritudes críticas que são retoricamente muito incisivas, mas seguem na política de branqueamento da academia branca, mesmo retoricamente esbravejando contra isso. Cenários bem complexos. Mas não estou me furtando de problematizar isso em sala de aula com estudantes. E tenho aprendido mais do que "ensinado". Mas escrever sobre isso é confusão garantida. Contudo, a omissão, a indiferença e o "não estou nem aí para isso", do ponto de vista da branquitude supostamente crítica, é uma atitude racista. Observação final da postagem: o título é enganoso, parece sugerir uma equivalência no embate. Há, a meu ver, equivalência de capacidades intelectuais e reflexivas, mas muitas desigualdades que fazem do embate, um embate ele mesmo racialmente hierarquizado. O poder de revide e de cancelamento das branquitudes "críticas" é muito maior nesse jogo. Mas está deixando de ser. O mundo está deixando de ser branco (supremacista). E isso é muito bom. Não estou pessimista quanto a isso. Meu pessismo é sobre como lidar com as maiorias acríticas de brancos e não brancos que seguem a supremacia branca em declínio da extrema-direita no mundo todo.