quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Problematizações ou entidades? O que é objeto?

Aprendi com Foucault a pensar o circuito polícia-justiça-prisão e fico muito desconfiando das super-especializações que estão surgindo, criando "estudos policiais", "estudos de justiça criminal" e "estudos prisionais", como nichos acadêmicos estanques uns em relação aos outros. Acho estranha essa separação contraproducente. Rua, bairro, favela, condomínio, shopping, lazer, consumo, crime, polícia, justiça, prisão, do ponto de vista do meu trabalho de campo, são inseparáveis em seu funcionamento. O lance é a problematização e não as entidades transformadas em objetos. Pensando sobre isso nos últimos tempos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Um trecho de um trabalho de 2001.

Mas, por que buscar clarificar a questão do poder em termos metodológicos e não “puramente” teóricos? De um lado, é preciso ter em mente que, ao longo de uma investigação científica, como afirmava Wittgenstein (1996): fazemos muitas afirmações cujo papel na investigação não compreendemos. Pois nem tudo o que dizemos serve um propósito consciente (...). Os nossos pensamentos seguem rotinas estabelecidas, passamos automaticamente de um pensamento ao outro de acordo com técnicas que aprendemos. E chega então a altura de passar em revista o que dissemos. Fizemos uma série de movimentos que não favorecem o nosso objetivo ou que até o dificultam e agora temos de clarificar filosoficamente os nossos processos de pensamento ( p.97). É neste sentido que afirmo a dimensão metodológica desta reflexão e não no sentido de uma suposta separação entre teoria e prática. “A capacidade de levantar problemas (...) constitui uma das maiores virtudes do cientista (Malinowski, 1978, p.22). Portanto, aproveito a ocasião para tentar dar um passo no processo de construção de um objeto de pesquisa, cujo background etnográfico não será aqui explicitado, mas sempre pressuposto. A construção do objeto “é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correções, de emendas, sugeridos por o que se chama o ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas” (Bourdieu, 1998, p.27).

Coisas emaranhadas de poder na vida acadêmica.

Acho muito exagerado certos cultos de personalidade que vão sendo criados por grupos corporados no mundo acadêmico para exaltar figuras como se fossem deuses. A gente sabe que há profissionais no mundo acadêmico que são super brilhantes, mas que recusaram ser objeto desse tipo de adoração. Fazer igreja na academia é um tanto despropositado, não? Os grupos corporados atuando no mundo acadêmico estão exercendo um controle tão fechado sobre o conjunto de referências que são capazes ou permitem manusear na feitura de seus próprios trabalhos que vão morrer por excesso de endogenia. Os novos quadros de alguns desses grupos sequer usam referências que são históricas nas ciências sociais, pois só leem seus orientadores e os dois ou três aliados minguados que eles possuem, e olhe lá se leem isso tudo. As panelinhas em suas socialidades de evitação estão gerando uma fragmentação do saber em compartimentos estanques que não se comunicam. É por isso que celebro estar fora de centros, o desejo de centro é muito ruinoso. Premia na medida em que tolhe! Estar por fora é bem melhor. (Observação: estou escrevendo isso enquanto faço dois pareceres, daí a pontuação). Os indivíduos, produzindo no campo acadêmico, precisam parar de excluir autores pelo fato de não estarem no campo de suas simpatias pessoais ou no arco de suas alianças de poder com que buscam se apropriar do campo institucional. Passou do limite, sinceramente. Temos que saber usar os bons textos dos nossos piores desafetos. Sem essa capacidade de objetivação, o campo se desrealiza. Estou acompanhando casos em que alguém escreveu um artigo e usou uma referência, citando-a como principal, e em outro artigo, que era continuidade do primeiro, a referência caiu, foi suprimida. Fui atrás para saber o que tinha acontecido e alguém me diz: eles brigaram. Que ridículo!

Dicas descontraídas para a vida acadêmica.

Dica para a vida acadêmica: os pesquisadores possuem estilos diferentes, ainda bem. Não confunda o estilo com a verdade, ninguém possui a verdade do caminho a ser seguido. Não sugira para seu orientador que, ao conversar com o professor tal, ele disse que era melhor fazer assim ou assado e não do jeito que o estilo do orientador sugeriu, exceto se o professor que deu a dica estiver na banca de qualificação, aí está convidado e autorizado a intervir. Gente, é melhor mudar de orientador, né, quando alguém não simpatiza ou não confia no estilo de fazer pesquisa do orientador? Simples assim. Muda de orientação. Dica para a vida acadêmica: diante de um orientador de difícil acesso, não fique assediando informalmente outros professores, pedindo orientação informal como forma de compensar o orientador supostamente ausente ou efetivamente ausente. E pior: depois de sugar milhões de dicas do "orientador" informal, não chamá-lo para a banca de qualificação, nem de defesa, e ainda por cima não mencioná-lo nem nos agradecimentos do trabalho final, aí é de lascar o cano, né? Dica para a vida acadêmica: não vá, ao fazer a entrevista de um processo seletivo para a pós-graduação e ao ser perguntado sobre a escolha do programa, dizer que ia tentar fazer não sei onde mas a vida lá está muito cara. Pelo amor de Deus! Minta, diga que ali é o melhor lugar para você desenvolver sua formação. É o mesmo que enviar um convite para alguém dizendo: é que tentei com várias pessoas e não consegui, aí estou entrando em contato com você. Dica para a vida acadêmica: não chegue na sua qualificação com um texto onde você não dialoga com nada, nadica de nada, da produção do seu orientador. Como é que você vai ser orientando de alguém sem dialogar com a produção e o estilo de conhecimento do orientador? A gente que tem que dar essa bronca na qualificação. Evitem isso. Se escolheu ser orientado por alguém, faça o convite logo dizendo que leu a tese da pessoa. Temos que fazer o serviço direito, gente! Dica para a vida acadêmica: não deixe se levar pela ansiedade, não convide alguém para sua banca sem antes ter falado com seu orientador. Na maioria dos casos, o orientador vai vetar. E você que já formulou o convite terá de se fazer de doido, todavia, ninguém esquece ter sido convidado e desconvidado silenciosamente. É um erro estratégico grave fazer isso. Segurar a ansiedade é melhor. Dica para a vida acadêmica: não envie emails para três professores ao mesmo tempo, o mesmo email, perguntando: quem de vocês pode me orientar? Não façam isso, pelo amor de Deus. É mesmo que pedir para ser enterrado vivo. Mais atenção no serviço. Orientador não é sabonete na prateleira do supermercado, orientador também é gente.

domingo, 6 de setembro de 2015

Convergência

Nós não nascemos livres, nascemos assujeitados, todavia, em todo nascimento há a possibilidade da criação de um novo contexto e nisso reside a aventura da liberdade humana como tarefa (esta asserção faz convergir Marx, Nietzsche, Foucault e Hannah Arendt).

Violência natural?

A ideia de que há uma "natureza humana" já é muito discutível e ainda por cima de que ela seria "violenta" é sem base nenhuma. A violência é uma trajetória de aprendizagem. Agressividade humana não é violência. Violência é o ato de nomeação. A base biológica do humano é o amor, segundo as neurociências.

A força do socius

É impressionante como o grupo social a que se pertence exerce um poder sobre seus membros. Às vezes, as pessoas começam a interagir espontaneamente com outras pessoas de fora de seu grupo, a comunicação vai fluindo bem, numa troca legal, interessante, quando, de repente, por inveja, algum membro do grupo de pertencimento dá uma chamada, uma chamada à ordem, ameaçando quem está trocando com o fora, e, quase sempre, as pessoas, com medo de serem retaliadas pelo próprio grupo a que pertencem, resolvem obedecer ao chamado e param de interagir espontaneamente com pessoas de fora. Isto é a origem de todas as guerras! E é só o que acontece, inclusive por aqui. Por isso que o Lévi-Strauss dizia que o antropólogo é uma traidor do próprio grupo, abandona o centro de poder do seu grupo, dirigindo-se para o fora.

A conversação e o devir-humano.

A conversação é o fundamento do devir humano, quando um animal humano se nega a entabular uma conversa com outro animal humano, este ato de negação da conversa é um ato de negação do devir humano. Qualquer ato humano está baseado na emoção, no agir emotivo, emocional, e a emoção é o que carrega o juízo de valor, de modo que as conversações são coordenações entre ações e sentimentos. (nota de leitura, estudando sobre a linguagem humana com Maturana)."El que el amor sea la emoción que funda en el origen de lo humano el goce del conversar que nos caracteriza, hace que tanto nuestro bienestar como nuestro sufrimento dependan de nuestro conversar, y se originen y terminen en él" (Maturana). A linguagem mais antiga dos hominídeos é a linguagem dos sinais. Chimpanzés e gorilas podem se comunicar entre si e com os humanos da espécie homo sapiens sapiens, usando-a, tomando-a como base geral para as trocas de signos. Há três milhões e meio de anos, surge uma nova configuração da situação humana ancestral, trazendo importantes transformações para o sistema de linhagem herdado pelo homo sapiens sapiens até hoje. A origem de uma nova linguagem sobreposta e independente da linguagem de sinais, uma linguagem simbólica, lançará as bases de um novo modo de viver dos humanos, baseado nas seguintes características: a) o ato de coletar, juntando coisas do mesmo tipo; b) o compartilhamento do alimento; c) a cooperação entre animais humanos machos e fêmeas; d) a criação coletiva das crianças a partir do cuidado sob a responsabilidade compartilhada do grupo; e) a sexualidade passa a ser vivenciada como uma sensualidade, o que envolve a descoberta do encontro sexual frontal como fonte de prazer e reconhecimento; f) a vida cotidiana em pequenos grupos com adultos, jovens e crianças, interagindo juntos; g) o ato de conversar, que nasce do entrecruzamento do uso da linguagem e da capacidade de sentir emoções. "Lo que diferencia al linaje homínido de otros linajes de primates es un modo de vida en el que compartir alimentos, con todo lo que esto implica de cercanía, aceptación mutua y coordinaciones de acciones en el pasarse cosas de unos a otros, juega un rol central. Es el modo de vida homínido lo que hace posible el lenguaje, y es el amor, como la emoción que constituye el espacio de acciones en que se da el modo de vivir homínido, la emoción central en la historia evolutiva que nos da origen. El que esto es así, es aparente en el hecho que la mayor parte de las enfermedades humanas, somáticas y psíquicas, pertenencen al ámbito de interferencias con el amo" (Maturana).

Poder comer

Elias Canetti discute a relação entre comer e poder. O mais comer é uma função do mais poder e vice-versa. "Tudo o que se come é objeto do poder". Desejar tornar-se o comedor-mor conecta o processo de digestão ao exercício do poder. O que se esquece, frequentemente, é a sobra, o fedor do lixo e do excremento que se deixa por aí. O desperdício é malcheiroso. A fedentina é a marca inexorável de quem se quer na posição "superior". Uma superioridade da inferioridade. E no caso dos mandados, o excremento é repleto de suas culpas. Adoro o livro Massa e poder, quem não o leu, recomendo-o fortemente. Para meus orientandos e minhas orientandas, não precisa nem dizer que é obrigatório, né? Abraços e um bom sábado de liberdade humana, essa danada, danação de nada.