sábado, 20 de dezembro de 2014

A conversação e a atitude etnográfica

Conversar é a atividade que, a meu ver, está no cerne do método etnográfico. A conversação com os outros, com pessoas concretas, pessoas que nomeiam a si mesmas. O ponto de partida, portanto, é escutar o modo como as pessoas se nomeiam. Depois da nomeação de si, a nomeação de parentes, amigos e inimigos, a nomeação das terras, dos territórios e, principalmente, das fronteiras, do estrangeiro, e do desconhecido. A nomeação das coisas do mundo, das coisas sagradas, das coisas em uso, a nomeação dos usos. A nomeação do universo. Os atos de nomeação escutados no contexto de conversação, acompanhados dos gestos, das expressões, do movimento do corpo, é adotar o ponto de vista segundo o qual a pessoa é um microcosmos da vida coletiva. O detalhe mais recente na compreensão desse método está ligado ao deslocamento do olhar, do ver, para o escutar, o ouvir. Escutar as palavras que saem da fala do outro, escutar os silêncios que configuram a fala dos outros. Escutar é um modo de agir compreensivo. É a forma compreensiva por excelência. Sem escuta do sentido da fala do outro, não há compreensão prática mútua e muito menos compreensão antropológica da produção da diferença, que é a tarefa primeira e última da antropologia. Afinal, a diferença não é uma coisa, não é um bem, ela se relaciona com coisas e produz bens, mas a diferença mesma não é nenhuma coisa, nenhum bem. A diferença é uma relação. Conexão, relação e orientação para o fora e para o dentro. Trata-se de ou buscar no fora ou no dentro, geralmente, em ambos, as capacidades agentivas do viver de outro modo que não seja o modo alheio que se se impõe sem processos de conversação, sem escuta.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Notas metodológicas

Notas metodológicas. 1) O objeto de análise é um objeto de pesquisa construído para a análise. É um objeto de pensamento teórico e um objeto empírico simultaneamente. Não há acesso ao objeto empírico sem pensamento teórico. A construção do objeto de pesquisa é o confronto entre um campo de questões teóricas e um campo de questões empíricas que define o espaço empírico para o exercício metodológico, analítico, do pensamento conceitual rigoroso. 2) São as relações sociais o objeto da análise. O espaço social reificado é resistente à análise. O espaço social reificado apresenta-se como entidades sociais que impõem a inteligibilidade do social para a mente do pesquisador, as essencializações do espaço social reificado tendem a se impor, buscando capturar a lógica da descoberta. É preciso manter uma vigilância epistemológica constante para evitar que as ferramentas analíticas sejam capturadas pelos discursos dados sobre os objetos dados. A desconstrução do espaço social reificado é um tipo de análise de discurso, uma análise dos discursos performativos que objetificam o espaço social, reificando-o. 3) Se o objeto da análise são as relações, a autoanálise do analista frente à autoanálise dos interlocutores da pesquisa são procedimentos que fazem da troca de condição entre pesquisadores e interlocutores um modo de questionamento da reflexividade na vida social. 4) As relações são o objeto, todavia, há diferentes níveis de análise das relações, e é esse modelo que guia tanto o processo de descoberta quanto o de escrita dos resultados da pesquisa. A partir do ponto cinco, estarei tematizando esses níveis de análise. 5) O primeiro nível de análise é o da interação social, da interação simbólica, na vida cotidiana, no face a face, de modo presencial, mas também no face a face não presencial, mediado pelos usos de mídias expressivas e de comunicação. Neste primeiro nível de análise, há o contexto de interação social e simbólica como contexto de fala dos atores sociais. Os atores sociais falam no contexto da interação simbólica e social. O silêncio é uma forma de fala também. A escuta é uma forma de fala também. As falas são falas sociais, pois são falas que envolvem a relação eu-tu, eu-vocês, eu-nós, nós-nós, eu-eles ou elas. Há uma camada eu do nós e uma camada nós do eu. A análise da corporalidade como sentimento social está nesse plano analítico e também no próximo. 6) O segundo nível de análise é o do habitus. Envolve a dimensão inconsciente das relações sociais. A incorporação de relações de poder. Hábitos mentais, práticas rotineiras e esquemas de percepção, avaliação e apreciação incorporados por indivíduos socializados. Não apenas a corporalidade é o mecanismo sociológico dessa incorporação de relações. A aquisição de estoques de conhecimento, de tipos de representação social e simbólica e outras formas de discursos que funcionem como procedimentos cognitivos, além de emocionalidades que funcionem como ethos, ou seja, como atitudes de valoração e modos de afecção diante do mundo social visado subjetivamente pelo ator social. 7) O terceiro nível de análise é o da consciência reflexiva dos atores sociais, uma dimensão que escapa à análise do habitus, pois este plano de análise, como vimos, destina-se à apreensão da dimensão inconsciente das relações. Já na dimensão da consciência reflexiva dos atores sociais, temos que considerar o problema do monitoramento consciente reflexivo da ação e dos atos sociais pelos atores sociais. A metateoria do habitus não dá conta disso. Aqui, no plano terceiro, a consciência dos atores por ser de dois tipos: uma consciência teórica e uma consciência prática. Há uma compreensão teórica e uma compreensão prática operando na estrutura de consciência do ator social. Analisar a consciência reflexiva é analisar como as compreensões de dois tipos são, entrelaçadamente, construídas pelos atores nos seus projetos de ação, no curso da ação e na interpretação de seus atos sociais. As aspirações, as inclinações, os desejos, os sonhos e as expectativas podem ser analisados neste plano terceiro, mas em conexão com o modo como também foram analisados nos planos analíticos precedentes. 8) O quarto nível de análise é o dos rituais, das práticas rituais. Tanto os rituais da vida cotidiana, como as etiquetas, que estão ligadas aos níveis de análise precedentes, quanto os rituais que compõem a dimensão cerimonial da vida coletiva. Assim, nesse nível de análise, estamos lidando com rituais de interação, rituais de instituição, rituais de poder e rituais de honra e prestígio ligados a estes últimos. Os rituais são mecanismos sociológicos que fazem mediações entre os planos precedentes e os planos institucionais e estruturais que irão ser avaliados a seguir. Assim, examinar as relações sociais como rituais exige uma boa revisão da literatura conhecida como teoria dos rituais. 9) O quinta nível de análise é o dos espaços institucionais. Aqui é a construção social da institucionalidade das relações sociais que está em foco. O papel regulador, fiscalizador e punitivo das instituições, a coercitividade, mas igualmente o papel legitimador dos espaços institucionais. As instituições legitimam e deslegitimam modos de vida, hierarquizando-os, e inclusive descartando-os como ilegítimos. O complexo institucional funciona como quadro, com enquadramento das relações sociais, e os usos das normas, das leis, dos direitos e dos deveres, no contexto dos conflitos sociais passa por este plano de análise. O campo do poder, da política, da gestão de espaços coletivos. E o modo como as práticas socioculturais recortam de modo transversal os espaços institucionais. 10) O sexto nível de análise é o das relações sociais como relações de produção de sentido e de capital. O modo como a distribuição desigual do capital, das condições mais abrangentes de existência da vida social afetam determinando, condicionando e estruturando posições sociais de agentes. Neste plano, a contribuição de uma materialismo histórico radical é decisiva. 11) A última observação é a seguinte: não há entre esses planos de análise um plano que seja determinante de todos os outros. Ou seja, não há "em última instância...". Estamos trabalhando com um modelo de causação circular do sistema social aberto. O sistema social aberto pode funcionar como sistema social, como campo social, como figurações, constelações, redes. O sistema social aberto é reticular, a-centrado, segmentar, mesmo quando consideramos o plano analítico dos espaços institucionais com suas hierarquias que buscam endurecer o que há de molecular no sistema social aberto, pelo fechamento do sistema, algo que nunca é alcançado, exceto quando se provoca a morte histórica do sistema. O conceito metateorico mais relevante para todo o modelo é o de rede de relações. E o conceito metodológico mais relevante que lhe seja correspondente na modelização proposta é o de prática.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Ilusão, lembrança e invenção

A ilusão não é uma mentira, podendo-se apoiar nela, a ilusão não é falsa, podendo-se apoiar em informações falsas, a ilusão não é uma falácia, podendo-se apoiar em modos fantasiosos de concreção. Aprendi isso com o Freud, com a ajuda de Mezan, é claro. A ilusão, de um futuro, não é sem consequências. As consequências são sérias, e graves. O ato de rememorar dificilmente se dissocia do ato de inventar. O modo como memória e imaginação se entrecruzam na estrutura de um relato são duas dimensões decisivas para a análise dele. E como propõe Arendt, pode-se aprender com o passado, mas isso não oferece conhecimento sobre o futuro.

Pessoa em fluxo

O real passa por uma variação empírica contínua. Dar forma a esse fluxo é uma atividade que produz algo. Formas muito rígidas matam o fluxo e levam à morte cultural, daí a importância das variações de sujeito. Melhor sujeitos variados do que sujeitos avariados pela falta de flex no flux.

Possibilidades de poder

As conexões entre condições de poder e possibilidades de poder têm como fiel da balança a expressão maior ou menor de uma ambição de poder, que se expressa ou não com afinco e intensidade, e os atores sociais são julgados pela maior ou menor adesão a essa ambição. Pode-se ser punido por dispor de possibilidade de poder sem ambicionar o poder, por exemplo (inspirado em Arendt). Fazer da "associação íntima com os privilegiados", para usar uma expressão da autora, para construir caminhos de triunfo social é uma das possibilidades de observação dessa maior ou menor ambição. O desejo de acreditar é uma máquina muito perigosa, pois eficiente, quando investida nas atividades políticas de proteção do capital e sua lucratividade. O desejo de acreditar está usualmente em função de uma transferência de descrédito a certas categorias de pessoas, que postas à parte, reforçam a convicção dos convictos que operam a segregação, ou seja, os delírios dos chauvinistas, alimentados pelos mais diversos sentimentos de inferioridade social.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Seres pensantes (entre Foucault e Bourdieu), uma troca.

O saber não é um atributo exclusivo de uma categoria de pessoas. Todas as pessoas, sem exceção, são seres pensantes. As forças da inteligência costumam estar associadas às forças da ordem social. Usar o critério da inteligência, como se ela fosse uma instância pura e imaculada, pairando sobre o espaço social, é uma das formas pela qual se exerce o racismo da inteligência, baseado numa distribuição desigual de acessos, politicamente orientada pelos segmentos dominantes com o apoio da maioria dos trabalhadores intelectuais. A ideia de que todos os seres são pensantes pode ser usada politicamente de um modo reacionário ou de um modo libertário. É preciso aprender sobre os dois usos disso. Essa é a grande armadilha, uma vez que "...a razão encerra a virtualidade de um abuso de poder" (Pierre Bourdieu).

Homo sapiens

Nietzsche traduzia como filólogo homo sapiens como aquele que saboreia, que degusta, que distingue. Sapiens é o degustador. Esta é um questão a ser levada muito a sério, a relação saber e sabor, foi de Nietzsche que Barthes pegou essa ideia e a desenvolveu de um modo próprio, foi também de Nietzsche que Simmel, segundo quem o ser humano é quem procura, Foucault com a ideia de seres pensantes, e muitos outros: "sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem do gosto mais apurado" (Nietzsche).

Ressentimentos de Bourdieu.

É impressionante a força negativa da antipatia e do ressentimento com que Pierre Bourdieu ataca a condição do adolescente burguês que lhe foi negada na vida social. Esta negatividade da condição burguesa dos adolescentes com os quais ele precisou competir em torno do êxito escolar e de suas implicações e ganhos simbólicos ocupa um lugar decisivo no edifício de sua obra sociológica. Não se trata de reducionismo, é um tema problematizado por ele em diversos textos, explicitado com todo desespero analítico. A meu ver, faltou a Bourdieu, ao Bourdieu jovem, uma aprendizagem fundamental. Nós que não tivemos o privilégio de uma condição burguesa de adolescente não temos como única alternativa nos tornarmos um CDF ressentido, marcado pelo ódio de si, em permanente luto pela condição desabonadora da pobreza e sofrimento social. Há uma outra alternativa, tornar-se um vagabundo estudioso, um pândego, um anarquista (o próprio pai de Bourdieu era anarquista, mas a mãe impôs a disciplina de uma respeitabilidade perdida). Em vez da brutalidade, há também a poesia nas ruas e a alegria de pobre (namorar e fazer amor). Parece que Bourdieu foi muito infeliz. (E todas as palavras aqui são uma hermenêutica, são trechos da escrita dele, não são de fora para dentro). É que estou preparando aula para o mestrado, teoria sociológica contemporânea. Nas releituras que estou fazendo de partes da obra de Bourdieu, outro lance que está me chamando muito a atenção é o seguinte. Algo que eu nunca tinha percebido. Bourdieu usa recorrentemente, quando se trata de definir a tarefa sociológica de objetivação do "sujeito", os termos "brutal", "perverso", "cruel", referindo-se ao tipo de investimento que ele realiza como sociólogo. Ele está em vários trechos definindo a si mesmo e a sociologia como uma prática de brutalidade (a brutalidade da objetivação), de perversidade (maldade contra os que se acham puros e superiores, vingança, ressentimento) e crueldade (contra os que resistem a ser tratados como objetos). É toda uma linguagem imersa no mais tenso controle racional de uma emocionalidade à flor da pele. E quando ele escreve sobre a motivação escondida de sua desesperada dedicação ao trabalho de pesquisa, ele o faz com as seguintes palavras sobre os investimentos pulsionais dele no campo da pesquisa, motivado "pela desolação íntima do luto solitário: o trabalho desatinado era ainda a maneira de preencher um vazio imenso e de livrar-se do desespero ao demonstrar interesse pelos outros; o abandono dos píncaros da filosofia pela miséria da favela era, pois, uma espécie de expiação sacrificial de meus irrealismos adolescentes. (...) E tudo (...) mascara, portanto, a pulsão subterrânea e a intenção secreta que constituíam a face oculta de uma vida dilacerada" (Pierre Bourdieu).

A luta política e as ciências sociais.

Cientistas sociais precisamos "escolher entre dois partidos: posicionar seus instrumentos racionais de conhecimento a serviço de uma dominação cada vez mais racionalizada, ou, então, analisar racionalmente a dominação, em especial a contribuição do conhecimento racional para a monopolização de fato dos ganhos da razão universal" (Pierre Bourdieu). A luta política, portanto, é contra a "monopolização do universal", de um lado, e "em prol da universalização das condições de acesso ao universal", do outro. Meditações Pascalianas.

O arbitrário da força

"...a força do costume jamais anula completamente o arbitrário da força, alicerce de todo o sistema, que sempre ameaça revelar-se em pleno dia. Assim, pelo mero fato de existir, a polícia traz à lembrança a violência extralegal sobre a qual repousa a ordem legal..." (Pierre Bourdieu). Meditações Pascalianas.

Historicidade radical da razão e evitação do perspectivismo radical?

Uma da manobras mais confusas de Pierre Bourdieu é afirmar a historicidade radical da razão e querer ancorar no funcionamento do campo científico, na história do campo, que é um inconsciente epistêmico, as condições críticas e reflexivas de cientificidade de um conhecimento realista (relacional), evitando a todo custo o relativismo e também o perspectivismo radical. Ele mesmo fala de milagres e mistérios quando tenta resolver essa complexa equação (Preparando aulas para teoria sociológica contemporânea).

domingo, 13 de julho de 2014

Ceticismo e heurística. Algo a se pensar.

O primeiro passo, a ser reiterado sempre, é tomar consciência da profunda e incontornável inadequação de nossas ferramentas para dar conta do que quer que seja. Uma consciência aguda da insuficiência de nossas interpretações, inclusive daquelas que consideramos as melhores. Quando se perde isso, pula-se para fora do campo do saber. E entre o ceticismo e a dúvida metódica, abraço o primeiro, por via das dúvidas. Todavia, o ceticismo é apenas uma questão de método, fazer da radicalidade da dúvida, uma virtude epistêmica.

Natureza imaginária das relações sociais.

Aprendi com o professor Otávio Velho que, para além da disputa sobre o que é determinante nas entidades sociais, é preciso ir mais a fundo para discutir "a natureza imaginária" de qualquer objetificação, ou seja, partir da ideia de que quaisquer realidades sociais identificáveis são "inseparáveis da própria ação humana". Estudar as questões em termos de perspectivas. Quem ainda não o leu, é só pegar Mais realistas do que o Rei: ocidentalismo, religião e modernidades alternativas, e se deliciar com a aprendizagem de uma vida.

Narcisismo e superego cultural.

O narcisismo humano arranja todo tipo de pretexto para se expressar. O autoerotismo é uma das máquinas mais engenhosas de burlar as fiscalizações do superego cultural. Ocorre que até certo ponto o narcisismo é um mecanismo protetor contra a frustração ligada à inibição da meta do amor, pela perda ou destruição do objeto do amor, ou pelo retraimento que reforça o amor de si que se projeta no outro, internalizando-o parcialmente, instrumentalizando-o de modo feroz, possessivo, perverso. Ou então é a psicose, a desconsideração total por qualquer objeto.

sábado, 12 de julho de 2014

La sociologie dérange

Para Pierre Bourdieu, viver a sociologia não é uma tarefa fácil. O esforço da reflexividade sobre os mundos sociais faz do sociólogo alguém que se coloca em permanente situação de autoanálise. Pois sem a autoanálise das condições mesmas de existência de um estilo de vida pessoal e acadêmico sociológico, a sociologia não cumpriria sua tarefa. A sociologia é uma perturbação que perturba aos outros e aos próprios sociólogos. Nós, sociólogos, somos todos perturbados por ofício. Pois a nossa tarefa é analisar as coisas pondo-as em desordem, "la sociologie dérange".

Contra a obsolescência do saber

É tão contraproducente permitir que haja obsolescência no campo da produção acadêmica. Colegas vão morrendo e as pessoas vão deixando de estudá-los, parando de lê-los, de indicá-los para os estudantes, como num passe de mágica. São muitos os exemplos. Vou citar um. Ruth Cardoso. Ela orientou Gilberto Velho e Lygia Sigaud. Os três já são falecidos. Deixaram artigos e livros super interessantes, mas não são mais citados como antes, exceto por pequenos grupos de herdeiros, lutando entre si pelo legado, ou por outsiders. Dos três, fui aluno dos dois últimos. Lygia Sigaud era tão rigorosa que levantar a mão na sala de aula dela, pedindo a palavra, era uma temeridade, pois era preciso que houvesse trabalho fundamentando a vontade da fala, se fosse falar por falar, para dar opinião sobre os textos, era melhor não levantar a mão.

Distanciamento com Lévi-Strauss

Os sistemas sociais, com suas práticas de divisão, poderiam não existir tais quais existem atualmente, ou seja, eles não são necessários, não estão inscritos na ordem das coisas, nenhum sistema social é essencial, o que parece ser fundamental, não o é. A ginástica do pensamento é propor mudanças variadas nas escalas temporais para converter aquilo que pode parecer fundamental em algo bem diferente do que parece ser. As formas de vida, quando analisadas a partir de um distanciamento, de um olhar distanciado, fazem com que nos situemos numa distância, numa outra escala de tempo, a análise, portanto, "está condicionada pela distância, por esse afastamento que só deixa filtrar o essencial" e o "deslocamento que elas exigem de nós para estudá-las nos condena a perceber apenas algumas propriedades que são essenciais a elas e ao espírito humano". Há tarefas a se levar a sério. E a análise sociocultural é uma delas, pois "a etnologia sempre se deu por tarefa explorar os limites daquilo que se considera num momento dado, numa época dada, como sendo os da humanidade" (Lévi-Strauss). E a atitude etnológica por excelência é "colocar-se sempre mais além do que se considera ser o possível, para o homem, trazendo para o interior da humanidade fenômenos fronteiriços, fenômenos à margem. Trabalhamos para uma ciência que deve se manter sempre à margem do desconhecido" (Lévi-Strauss).

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Semestre 2014.2

Mudei de hipótese: quando eu era perguntado pela imprensa, principalmente, sobre a questão da violência na cidade, eu respondia, enfatizando o problema das armas, dizendo que a oferta de oportunidades de usar armas em contextos de conflito produz uma letalidade que não seria necessária em muitos casos. Agora estou me dando conta que por trás dessa ideia, há outra mais fundamental: o problema do convívio humano. Estou, portanto, retomando o campo de questões de parentesco, relações vicinais, produção de amizade e inimizade, grupos de fofocas, política de reputação, falta de consideração, demanda por respeito, simpatias e antipatias nas relações interpessoais, sentimentos de raiva de si e medo do outro, enfim, estou voltando para a década de 1950, a minha década preferida. Beat que soul. Beat Generation. Semestre que vem vou ministrar Introdução à Sociologia para o curso de Psicologia, pois então vou retomar a base da base: os fundamentos psicológicos das relações sociais. Esse tema que tanto encantou o querido Monsieur Le Fouks. E que me parece ser um problema que acompanhou sua obra do início ao fim. Ele era admirador do psicanalista e antropólogo Abram Kardiner, que escreveu justamente o livro que Foucault mais gostava: As fronteiras psicológicas da sociedade. Foucault também foi discípulo assistente de Ludwig Binswanger, que era muito amigo de Freud, sem ser discípulo dele. Kardiner foi analisado por Freud e escreveu um relato disso. Pronto, o tema do semestre que vem está montado. Agora é continuar com a mão na massa. Esqueci de dizer o principal, tudo isso por pura influência do Henry Miller.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Onde está o crime?

Se tudo é crime, então, nada é crime. Se o crime da ordem não é tratado como crime, por que então tratar o crime da desordem como crime? Crime é produzido por quem diz o crime com chances altas de ser reconhecido como sendo a palavra de ordem capaz de dizer o crime. Então, qualquer um pode ser do crime, basta para isso que palavras de ordem sejam acionadas para dizer o crime do outro. Qual o pior crime? Não reconhecer que se faz parte da origem geradora do crime? Liberar o crime para quem defende a ordem contra o crime? Proibir o crime para quem defende uma vida sem lei? Não há vida sem crime onde há liberdade? Não há crime onde a liberdade é um crime, apenas estado de exceção. Uma sociedade livre, essa possibilidade de uma monstruosa utopia, demoníaca, contra a liberdade, em nome da liberdade, é mais ou menos perversa do que a liberação de matar sem crime, de matar impunemente, conferida pelo Estado de paranoia a seus grupos executivos perversos? Pode-se morrer de ordem, nesse caso a ordem é o crime. Também se pode morrer de desordem, nesse caso a desordem é o crime. Não há crime fora de uma relação tensa entre ordem e desordem. Afinal, o crime, além de mobilizar a maldade nos humanos, também impede a realização outra da agressividade que passa pela criação de novos vínculos, o que não se faz sem destruição de vínculos passados, cristalizados. A mobilidade absoluta é o mal? A fixidez absoluta é também o mal? A negociação certamente não é o bem, muito menos o bem comum, é uma tergiversação em torno da impossível justiça, o que não quer dizer que não seja útil negociar. Será que a sociedade brasileira não está precisando abrir uma ampla negociação com o crime? Onde está o crime? Em toda parte, ou seja, em lugar nenhum. Poderia ser esse um ponto de partida? O reconhecimento de que não somos o crime, pois ninguém pode ser o crime, pode apenas agir de tal modo que o crime se lhe apegue, mas pespegar o outro no crime não é uma tarefa fácil quando estamos todos no crime, esse crime horrendo com que a ordem nega a si mesma, lançando-se para fora da ordem da Lei.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Semestre 2014.1

Vou ofertar uma optativa no semestre 2014.1 para estudantes de graduação onde vamos discutir, entre outros textos, A história da loucura e A história da sexualidade, do Foucault, e Anti-édipo, do Deleuze e Guattari. Judith Butler, Sherry Ortner, Veena Das, Marilyn Strathern, além de Freud e Lacan como contrapontos, estarão também em debate. O ponto de partida será a discussão sobre subjetividade em Foucault e agenciamentos de desejo em D/G, o objetivo é problematizar a relação campo social aberto, subjetivação, relações de poder e de desejo. Vai ser às terças-feiras pela manhã, de 8 horas às 12 horas. Qualquer estudante da UFC, de qualquer curso, pode se matricular, se assim o desejar. O nome da disciplina é Subjetividade e sociedade - 4 créditos.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Plano de leitura para orientandos/as.

Marx, Freud, Nietzsche. Weber. Schutz. Wittgenstein, Austin. Peirce, James, Dewey. Simmel, , Elias. Husserl, Heidegger, Derrida, Agamben. Arendt. Foucault. Bateson, Ingold. Lacan. Butler. Bhabha. Mead. Buber. Merleau-Ponty. Mauss. Lévi-Strauss. Bourdieu. Deleuze. Guattari.