segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Algum trabalho

Para se fazer algum trabalho é preciso fazer muito trabalho. Exemplo: ler um livro de 500 páginas, compreender o núcleo central das ideias do autor, escrever um texto de 10 páginas sobre esse núcleo para finalmente transformá-lo em duas ou três linhas que vão resultar num fragmento de discurso para um artigo de 25 páginas sobre um tema que não tem nenhuma relação direta com o que foi feito inicialmente. Outro exemplo: um texto de 20 páginas ser transformado numa nota de rodapé de algumas linhas em um livro. Coisas assim dão trabalho e exigem a paciência de um carpinteiro quando está burilando os entalhes de um móvel. Num mundo onde a maioria das formas de trabalho tornou-se esvaziada de sentido, poder realizar trabalho artesanal é algo recompensador. Mas quem está disposto a fazer artesanato nos dias de hoje?

sábado, 28 de dezembro de 2013

Nota tomada no início do meu trabalho de campo em 22 de maio de 2008

Corpo e pessoa 1. Como a pessoa se torna uma pessoa? 2. Qual o modo de pensamento da pessoa como pessoa? 3. Quais as formas de organizacao das pessoas? 4. Como funcionam as modalidades de interacao das pessoas? 5. Como o corpo faz a pessoa?

Anotações para uma palestra.

“Imagina um guerreiro. Ele não quer sobreviver, ele quer viver. Ele não quer piedade, ele quer a vitória. Ele quer o vinho depois da batalha. Ele não quer a lágrima de suas mulheres na platéia. Ele tem a espada. E a arena tem a multidão gritando pela luta. Agora imagina a arena. O gueto, o tráfico nos becos, as armas e sirenes da polícia. Prostituição. Violência. Tudo bem próximo aos arranha-céus milionários, pontos turísticos, boates e night clubs da classe A. Entre o mar e a favela, onde se encontram os extremos do apartheid social, entre a compra e a venda de sexo, drogas e diversão. Imagina que o guerreiro é poeta. Ou cronista. Ele precisa trabalhar no limite, precisa alcançar a poesia sem perder o realismo da crônica. Ele precisa converter as decepções e injustiças em energia e força pra seguir lutando. Precisa transformar o negativo em positivo. Então imagina um marginal com o porte de um rei. Ou melhor, imagina um rei que foi transformado num escravo, que se transformou num marginal, pra voltar a se transformar num rei um dia. Imagina a trilha sonora de guerreiros e guerreiras. Um som capaz de tirar eles do poço pra voltarem a ser o que são na verdade: reis e rainhas. Esse é o som do Costa a Costa”. http://www.costaacostaonline.com/site.php “É impossível fugir à impressão de que as pessoas comumente empregam falsos padrões de avaliação – isto é, de que buscam poder, sucesso e riqueza para elas mesmas e os admiram nos outros, subestimando tudo aquilo que verdadeiramente tem valor na vida” (Freud). A população de Fortaleza é de aproximadamente duas milhões de pessoas. Existem 636.435 jovens com idade de 15 a 29 anos. 67% desses jovens vivem em famílias cuja renda não alcança mais que dois salários mínimos. 71,4% desses jovens percebem-se como não brancos, ou seja, reconhecem-se como mestiços, afro descendentes e indígenas. 14,4% desses jovens declaram que sua ascendência etnica ou cor pode ser definida como “só branca”. Esses jovens, em sua esmagadora maioria (91%), acreditam que podem mudar o mundo. E que a solidariedade, o temor a Deus, a igualdade de oportunidades, o respeito às diferenças, a dedicação ao trabalho e o respeito ao meio ambiente, são os valores mais importantes para uma sociedade ideal. 81,3% desses jovens consideram como muito importante o desenvolvimento de políticas de cultura, esporte e lazer em áreas públicas. Quando se trata de cultura e lazer,50,9% nunca foram ao teatro, seguidos de 22,4% que foram apenas uma vez. Isto significa que 73,3% dos jovens fortalezenses estão culturalmente excluídos da prática cultural ligada à linguagem teatral. 43,9% desses jovens nunca foram a um museu de arte, seguidos de 33% que foram apenas uma vez. Isto significa que 76,9% dos jovens fortalezenses estão excluídos da prática cultural ligada à linguagem das exposições de arte. 40,6% desses jovens nunca foram a uma biblioteca pública, seguidos de 28,6% que foram apenas uma vez. Isto significa que 69,2% dos jovens fortalezenses estão excluídos da prática cultural ligada ao uso de bibliotecas públicas. 24,8% desses jovens nunca foram ao cinema, seguidos de 15,8% que foram apenas uma vez. Isto significa que 40,6% dos jovens fortalezenses estão excluídos da prática cultural ligada ao circuito das salas de exibição cinematográficas. 57,6% desses jovens já perderam pessoas próximas em mortes violentas. Sendo que 59,3% desse universo a causa mote dessas pessoas próximas foi assassinato. 26,7% desses jovens declaram ter sofrido violência policial. 48,3% já tiveram contato com arma de fogo. Apenas 12,4% dos jovens fortalezenses estão cursando nível superior, completaram nível superior ou pós graduação. Fonte: Pesquisa retratos da Fortaleza jovem. http://www.fortaleza.ce.gov.br/default.asp Reflexões Violência é produzida pela falta de reconhecimento público. Violência é produzida pela invisibilidade e falta de oportunidades de expressão e comunicação. Violência é produzida pela negação de canais de constituição dos sujeitos sociais e culturais. Violência é sintoma de uma crise de projetos coletivos envolvendo democracia e participação. Violência é sintoma da falência de projetos políticos centrados em arte, ciência e cultura. Violência é sintoma da impossibilidade de se encontrar oportunidades de viver uma vida que possa ser considerada digna e significativa do ponto de vista dos sujeitos sociais e culturais. Violência é a ausência de geração de emprego e renda em conexão com os valores da sociedade da informação, do conhecimento e das novas tecnologias. Violência é a negação do outro como sujeito de desejos, de direitos e de deveres para com a coletividade. Violência é a frustração derivada das negações sistemáticas de realização pessoal, familiar e da cidadania pelo reforço perverso das práticas de autoritarismo que restringem de modo criminoso as liberdades e a criatividade das pessoas. A violência não é inevitável, não é uma fatalidade, não é algo inescapável, pois a solução do problema está em nossas mãos, depende da nossa decisão em envidar esforços para a circulação livre e democrática da riqueza socialmente produzida. E as fontes da riqueza hoje são conhecimento, informação e participação democrática em decisões que afetam o macrocosmo e o microcosmo das nossas relações interpessoais. Leonardo Damasceno de Sá Fortaleza, 15 de setembro de 2007.

Em 15 de setembro de 2007, escrevi uma nota de estudo sobre os termos cultura, subjetividade e violência. Segue abaixo sem revisão. Mas vou revisar e publicar novo texto.

O termo cultura é tão multifacetado que existem centenas de definições para ele. Pelo que temos escutado, ultimamente, houve uma quebra na correspondência que antes se fazia entre cultura, povo e território. Como se a cultura obedecesse aos limites territoriais estabelecidos por outras instâncias do saber humano, como aquelas que compõem as formas de poder, ou seja, de constante ação sobre ações, de modo que no teatro das ações humanas interpõem-se várias perguntas a respeito da legitimidade das coisas. E como em toda troca os signos se interpõem para alcançar o real, gera-se uma configuração de valores e sentimentos que, ao serem compartilhados, e acionados em contextos de interação prática, são os signos que se trocam. Com os quais fazemos aliados e derrocamos os inimigos. A cultura é um dinâmico modo de se localizar. Imprecisos como os labirintos da vida. Processo em metáfora. Moldura em transição. Mapas que orientam o sentido da existência. A cultura é o mapa, mas o mapa não é o território. A subjetividade, não é termo, é sempre meio-termo. Pois quando se trata de subjetividade, o que nos resta é torcer pela vitória do nosso time. Subjetivo é o inapreensível com o qual se faz possibilidade de comunicação se houver narrativas sobre e outro, do outro sobre nós mesmos e de nós sobre alguém. E esse alguém é um sujeito que vaga nas várias modulações do eu. A subjetividade é um conceito com o qual se designa a instância de formação do sujeito, daquilo que se busca ser de si mesmo, a busca de si, a superação que isso exige, e as frustrações inúmeras que alimentam medo e violência nas metrópoles contemporâneas. O problema da violência é um problema de falência dos modos de subjetivação humana e cultural. Sujeito é o que está em devir. Constituindo-se. Perfazendo-se. É a fuga dos processos de identificação e classificação dos sujeitos para produzi-los indivíduos, pessoas, cidadãos, quiçá, um dia, e atores. Mas a questão da subjetividade vai além, pensa-se nessas conexões que conectam várias outras, acaba articulando-se com a própria necessidade dos seres vivos se diferenciarem. Pois a diferença amplia o campo da comunicação intersubjetiva. Violência não é nem termo. Violência é o fim do uso dos termos. Acontecimento de suspensão da contextualização de práticas de sentido, práticas humanas por excelência, suspensão do conhecer, da arte, da ciência, da filosofia e da religião. Violência é a brutal instrumentalização do outro, de modo a torná-lo coisa, indefinível, apagado da memória cultural, violência é o extermínio da inteligência coletiva que guia o universo das relações de sentido. As sociedades e as culturas humanas não são precisas quanto ao seu uso, mas o campo da violência seria um quase-campo se não fosse o fato de que as experiências de violência não são narráveis, ou melhor, são inenarráveis, ou não-narráveis, e isso gera trauma, medo, amargura e frustração, que são sentimentos sociais com os quais se orientam os códigos culturais e sociais quando estão depreciados, humilhados e afundados em seu rancor. O problema do termo violência é que ele esconde o ódio, o ódio social, coletivo, de um modelo de funcionamento de sociedade que faliu na possibilidade de alçar o humano a um projeto de significado que possa agraciar a sua própria diferença e seu modo singular de tornar-se humano, sujeito, sujeito de direitos, de multiplicidades de práticas e segmentação das posições nas conjunturas onde se pisa no território dos outros sem lá ser bem-vindo. A violência é um ato de ingratidão nas relações sociais de parentesco que embasam o mundo do humano.

Morte e relações sociais

A realidade social não existe sem humanos. Humanos são mortais. Logo, a vida social é uma relação com a morte.

A realidade não existe.

A realidade não existe no singular. A realidade social só existe no plural. Como dizia Hannah Arendt, a pluralidade é a lei da terra.

Locução e locupletação

A locução nas relações de poder é uma forma de locupletação. Falar para aumentar o patrimônio. Falar para ampliar o crédito. Fantasias de absoluto, fantasias de poder e meios de representação dos ganhos. Locução e locupletação. Bom para pensar.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Peter Winch e o conceito de compreensão

A afirmação de Peter Winch, na esteira de Wittgenstein, segundo a qual "o conceito de compreensão está enraizado num contexto social" é fundamental, toda a discussão precisa partir daí, qualquer teoria social contemporânea precisa se haver com essa problematização pós-wittgensteiniana. Mas há um elemento complicador nisso, tanto Lévi-Strauss, mas, principalmente, Gregory Bateson, levantariam a seguinte questão: com qual conceito de contexto social estamos a operar? Ou seja, lembrariam que contexto social também é um conceito, não é algo dado. (nota de estudo).

Personagens etnográficas

Se como propunha Freud, os personagens literários devem ser analisados como se fossem pessoas reais (ver P.Gay), poder-se-ia dizer num sentido próximo que os personagens de uma etnografia, personagens etnográficos foram elaborados no contexto de interação com pessoas reais que lhes inspiraram, há um procedimento próximo ao da literatura, mas com alguns pontos divergentes, pois a força do pensamento da pessoa real na elaboração literária do personagem etnográfico é decisiva, de modo que sempre se busca favorecer a significação simbólica do ponto de vista das pessoas reais, mesmo que estas sejam compósitas, incluindo suas pessoas imaginadas em relação com suas realidades psicossociais. O controle da elaboração etnográfica do personagem se realiza pelos limites dos materiais empíricos. É preciso evitar deixar a imaginação correr livre e criativa, o etnógrafo inventa a cultura (Wagner), mas não necessariamente no estilo criativo das tradições artísticas, uma vez que o campo, por mais que seja contaminado por projeções neuróticas e etnocêntricas do antropólogo, continua a ser o lugar de teste daquilo que se escreve, sobre quem se escreve e, por vezes, com quem se escreve.