quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ressentimentos de Bourdieu.

É impressionante a força negativa da antipatia e do ressentimento com que Pierre Bourdieu ataca a condição do adolescente burguês que lhe foi negada na vida social. Esta negatividade da condição burguesa dos adolescentes com os quais ele precisou competir em torno do êxito escolar e de suas implicações e ganhos simbólicos ocupa um lugar decisivo no edifício de sua obra sociológica. Não se trata de reducionismo, é um tema problematizado por ele em diversos textos, explicitado com todo desespero analítico. A meu ver, faltou a Bourdieu, ao Bourdieu jovem, uma aprendizagem fundamental. Nós que não tivemos o privilégio de uma condição burguesa de adolescente não temos como única alternativa nos tornarmos um CDF ressentido, marcado pelo ódio de si, em permanente luto pela condição desabonadora da pobreza e sofrimento social. Há uma outra alternativa, tornar-se um vagabundo estudioso, um pândego, um anarquista (o próprio pai de Bourdieu era anarquista, mas a mãe impôs a disciplina de uma respeitabilidade perdida). Em vez da brutalidade, há também a poesia nas ruas e a alegria de pobre (namorar e fazer amor). Parece que Bourdieu foi muito infeliz. (E todas as palavras aqui são uma hermenêutica, são trechos da escrita dele, não são de fora para dentro). É que estou preparando aula para o mestrado, teoria sociológica contemporânea. Nas releituras que estou fazendo de partes da obra de Bourdieu, outro lance que está me chamando muito a atenção é o seguinte. Algo que eu nunca tinha percebido. Bourdieu usa recorrentemente, quando se trata de definir a tarefa sociológica de objetivação do "sujeito", os termos "brutal", "perverso", "cruel", referindo-se ao tipo de investimento que ele realiza como sociólogo. Ele está em vários trechos definindo a si mesmo e a sociologia como uma prática de brutalidade (a brutalidade da objetivação), de perversidade (maldade contra os que se acham puros e superiores, vingança, ressentimento) e crueldade (contra os que resistem a ser tratados como objetos). É toda uma linguagem imersa no mais tenso controle racional de uma emocionalidade à flor da pele. E quando ele escreve sobre a motivação escondida de sua desesperada dedicação ao trabalho de pesquisa, ele o faz com as seguintes palavras sobre os investimentos pulsionais dele no campo da pesquisa, motivado "pela desolação íntima do luto solitário: o trabalho desatinado era ainda a maneira de preencher um vazio imenso e de livrar-se do desespero ao demonstrar interesse pelos outros; o abandono dos píncaros da filosofia pela miséria da favela era, pois, uma espécie de expiação sacrificial de meus irrealismos adolescentes. (...) E tudo (...) mascara, portanto, a pulsão subterrânea e a intenção secreta que constituíam a face oculta de uma vida dilacerada" (Pierre Bourdieu).

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