quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Cacos de discurso (figuras) e dimensão distribucional. Pistas de Barthes.

Discurso é um conceito com a qual se diz algo sobre aquilo que discorre no discorrido. "Dis-cursos é, originalmente, ação de correr de cá para lá; são idas e vindas, 'caminhos', 'intrigas'" (Barthes, p.xviii). Nos fluxos, os discursos se multiplicam em sua trasitoriedade, precariedade e instabilidade, o que se realiza "por ondas de linguagem", e são esses "cacos de discurso" que Barthes propõe chamar de figuras. As figuras não chegam a ser esquemas, são gestos apanhados na ação. Gestos do corpo. "A figura é o amante em ação". As figuras estão relacionadas ao que se passa no discurso, ou melhor, ao "discurso que está passando", algo lido, ouvido ou experimentado. "A figura é delineada (como um signo) e memorável (como uma imagem ou um conto)". A figura se funda no reconhecimento de uma cena de linguagem, o que implica em reconhecimento de uma verdade. As figuras funcionam como sentimentos. O discurso é "tecido de desejo, de imaginário e de declarações". O que se passa, o discurso que passa, é marcado por traços de códigos. Um código está em função do preenchimento que lhe é dado pelo uso que uma determinada história faz dele. É como se a figura fosse um lugar, uma tópica, "em torno da figura, os jogadores brincam de passa-anel". As figuras não são definições, são argumentações. "Exposição, narrativa, sumário, pequeno drama, história inventada". Figuras formam argumentos. E tais argumento são instrumentos de distanciamento. O argumento não se refere ao sujeito, mas sim ao que o sujeito diz. Figuras são usadas, identificadas, manejadas e rememoradas. "A figura parte de uma dobra de linguagem". Em cada figura, há um modo de construção que importa menos pelo que diz como mensagem e mais pelo que articula, o que importa no uso da figura é o emprego dela na economia significante do sujeito. Há frases funcionando como matrizes de figuras. "Dizem o afeto". "As palavras nunca são loucas (no máximo perversas), é a sintaxe que é louca". Há alucinação verbal no emprego das frases como matrizes de figuras. Há comoção, há sobressalto, há algo tempestuoso (cf. termos de Barthes). Há reservas de figuras no imaginário do sujeito às quais ele recorre de modo circunstancial e essas figuras acionadas surgem sem ordem, pois sob as injunções do acaso. O que dá ordem é a atividade do sujeito cultural que evita a contradição. Que trabalha pela e na ordem. No uso das figuras não há essa instância do sujeito cultural fazendo a ordem. No uso das figuras o sujeito busca seu lugar, não o encontra ou encontra um lugar imposto. "As figuras não pertencem a nenhum sintagma". "Em termos linguísticos, diríamos que as figuras são distribucionais, mas não integrativas; permanecem sempre no mesmo nível" (p.xxii). Na perspectiva do sujeito cultural totalizante e unificador da ordem, os eventos são dotados de sentido e podem ser interpretados em sua causalidade e finalidade, há dispositivo moral nessa intervenção do sujeito cultural total. Trata-se de submeter os fluxos à ordem do "grande Outro narrativo". A narração está em função da ordem simbólica, do seu ordenamento. Mas só há ordenamento se a "força excessiva" seja depreciada, essa depreciação do excessivo é uma função da ordem. Trata-se de forçar o próprio sujeito a reduzir "o grande jorro imaginário pelo qual é atravessado, sem ordem e sem fim", transformando-se no estado mórbido do sujeito cultural submetido, "crise dolorosa" que faz sofrer e justifica a cura, ou demanda a cura, e a cura é o preço que se paga, é o tributo que se paga, à ordem cultural (e dos textos que a representam ou de tudo aquilo que a representa). O discurso está na história "sem jamais conhecê-la". "É do princípio mesmo deste discurso (e do texto que o representa) que suas figuras não se possam arrumar: ordenar-se, caminhar, concorrer para um fim (para um estabelecimento): não há primeiras nem últimas" (p.xxiii).

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