domingo, 31 de maio de 2015

Crime como expressividade

Uma questão tem me intrigado. Se a criminalidade é uma produção social e se nas concepções da tradição romana e também da tradição judaico-cristã a fundação do Estado está baseada num crime primordial, por que então os crimes institucionais estão sendo tratados como crimes de personalidade? Outra questão tem me intrigado também. Os termos em que se organiza o discurso do crime, tanto no universo de ilegalismos populares como no dos ilegalismos dominantes, são cada vez mais definidos em função de um campo semântico centrado na noção de "amizade". Tanto o andar de baixo quanto o andar de cima da estrutura criminal brasileira tem recorrido a metáforas de parentesco e afinidade para se enunciar: "irmão", "amigo", "família", "parceiro" etc. A questão da confiança e da amizade faz com que o crime se expresse como figuras representativas de personalidades coletivas. O crime é uma expressividade simbólica também. É um modo de relatar as relações sociais. Ademais, as atividades criminais geram novas classes proprietárias, o crime é a revolta do destituído no desejo da propriedade e do mando, o crime no universo de ilegalismos populares. Mas o raciocínio também é válido para os já proprietários que, no crime, no universo dos ilegalismos dominantes, aumentam fortunas, poderes e constroem novas respeitabilidades, a respeitabilidade do cabra temido, que possui representantes na estrutura do Estado. Um fato muito antigo na sociedade brasileira.

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